quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A Clockwork Orange (Laranja Mecânica)


Quase um mês após a última postagem, volto a este blog. Férias (curtíssimas), início de aulas, retorno ao doutorado, tudo isso me afastou por um tempo. Mas agora prometo ao menos um post por semana.

Para os que não sabem, o Núcleo de Humanidades da UFBA em Barreiras promove todas as sexta-feiras a "Sessão Solaris", composta pela apresentação de filmes e realização de seminários e mesas redondas; as sessões são abertas a todos. Neste mês de agosto o tema é "Violência", e nada melhor para começar do que o filme Laranja Mecânica (A Clockwork Orange).

Aos que não viram o filme, aviso: há muitos spoilers neste texto. Prossiga por sua conta e risco...

Este não é um filme fácil: gírias inventadas (pelo escritor Anthony Burgess, autor do livro original), violência, estupros, lavagem cerebral. Tive até um certo receio de passá-lo no Solaris, já que nossa principal audiência são nossos alunos, alguns bastante novos (abraços ao pessoal do BI, sempre presente). Mas a recepção foi boa: não sei se o filme perdeu um pouco de seu impacto devido à banalização da violência atualmente, mas vá lá: o fato é que o filme foi bem recebido. A direção de Stanley Kubrick ajuda muito: a mistura de um cenário meio pós-moderno com a música clássica criaram uma atmosfera que me traz à mente filmes como Blade Runner, e o cenário cyberpunk que só na década de 80 vai fazer o seu debut na literatura e no cinema. Coisa de precursor mesmo.

O protagonista Alex (o carismático Malcolm McDowell, que protagoniza outro clássico esquisitão, Calígula, e hoje pode ser visto como vilão de séries como Heroes) lidera uma gangue violenta, num futuro próximo - quer dizer, futuro de 1971, quando o filme foi lançado - e adora Beethoven. Nesta primeira parte do filme, acompanhamos uma bela noite de Alex e seus drugues: espancamentos, brigas de gangue, estupros... Encurtando a história, ele acaba preso e submetido a um tratamento experimental, a Técnica Ludovico (uma quase-citação a Pavlov). Alex é induzido, por esta técnica, a não conseguir suportar qualquer tipo de violência, passando fisicamente mal quando exposto a ela.

Já contei demais sobre o filme, mas o suficiente para fazer algumas reflexões. O filme pode ser interpretado em vários níveis, desde o mais raso e vermelho (cor do início e do final na tela) de um filmes simplesmente violento, até conceitos mais elaborados a respeito da própria violência e do livre-arbítrio.

Questão: após a lavagem cerebral, Alex conseguiria assistir ao filme que conta sua própria história?

Nós conseguimos. Talvez isso signifique que temos uma certa "tolerância" à violência. Pensando bem, isso deve ser verdade, pois, do contrário, não conseguiríamos sobreviver num mundo cheio de violência natural e numa sociedade repleta de violência criada por nós mesmos. Assim, mesmo que fiquemos enojados com alguns acontecimentos (do filme ou da vida) há um certo nível de violência que podemos agüentar. Este nível muda? Certamente! Momentos anteriores na história humana certamente eram mais violentos (no que diz respeito à violência indivíduo-indivíduo); com a modernidade, passamos a crer que o Estado seria o único detentor legítimo da violência (usando a formulação de Max Weber), o que levou a ficarmos mais chocados com a modalidade indivíduo-indivíduo, mas permitiu também que o século XX tenha sido prodigioso em violência de massa (guerras mundiais, genocídio).

É tirada de Alex a capacidade de "não-se-chocar" com a violência. É tirado seu livre-arbítrio. Em nenhum momento ele é levado a julgar seus atos, é apenas impedido de executá-los. E aqui temos a ambigüidade - e genialidade - do título: ao mesmo tempo que a expressão "laranja mecânica" é usada (ao menos no livro de Anthony Burgess) como uma gíria para "porra-louca", o termo evoca a imagem de algo suculento e colorido, mas de fato apenas um brinquedo mecânico nas mãos de Deus ou do Demônio (e aqui estou parafraseando o próprio Burgess). Alex é esse ser híbrido ("hibridizado"), ser vivo que foi mecanizado por métodos pavlovianos. Não sei porque me vem à cabeça a imagem de Supernanny...

Parece muito fantasioso? Deixo vocês com minha nota (é, sou metido a crítico, esse é nota 10!) e com uma frase do próprio Alex, para reflexão:

"It’s funny how the colours of the real world only seem really real when you viddy them on the screen."
(Engraçado como as cores do mundo real só parecem realmente reais quando vocês as videia na tela)

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