terça-feira, 20 de abril de 2010

Sobre a Política Formal em Barreiras – Parte I

Estava ouvindo a Rádio Barreiras ontem pela manhã, e uma ouvinte ligou para o programa do Fernando Pop para reclamar de uma boca de lobo entupida, há mais de um mês, no bairro de Barreirinhas. A cidadã já havia ligado para a Prefeitura solicitando providências, mas algum funcionário municipal disse que não havia “material” (ele não soube dizer exatamente o quê) para realizar o conserto. Enquanto isso, na semana anterior, alguns professores e alunos da UFBA foram a uma sessão da Câmara dos Vereadores do Município e, de acordo com o relato de Márcio Lima (no post “Ainda universidade e política”) não havia expediente, não havia sobre o que deliberar no “plenário com 190 poltronas confortáveis” (como se lê no site da Câmara Municipal de Barreiras).

Sou só eu, ou vocês também acham que há um descompasso entre a Barreiras em que vivemos e a cidade que a Prefeitura e a Câmara Municipal governam? A ouvinte de Barreirinhas vive na mesma cidade tão arrumadinha que os Vereadores não têm o que fazer?

Com esses casos em mente, fui (em companhia de alguns colegas professores) acompanhar uma sessão de nossa Câmara Municipal. Houve três votações: foram aprovados a alteração da composição do Conselho Municipal de Saúde (não foi explicada qual a alteração), um requerimento da vereadora Beza (que não foi lido em público) e um Projeto de Lei destinado a denominar o bairro que conhecemos como Prainha de... bem, Prainha.

Enquanto a palavra estava aberta aos Vereadores, ouvimos desde parabéns ao Exército por seu dia até uma digressão sobre como a caligrafia dos médicos pode ser prejudical aos pacientes; desde a informação de que 80% dos imóveis cadastrados (que serão quantos por cento do total?) não pagam seu IPTU até a reclamação de que a polícia multa condutores cometendo irregularidades, mas as ruas não têm faixas e placas; desde a opinião de que nunca, nenhuma instância do Executivo (Presidente, Governo Estadual, Prefeito [?], do presente ou do passado) fez nada por esta cidade, até dois elogios à Secretaria Municipal de Infraestrutura que já teria (tempo recorde!) consertado duas das pontes que levam Além-Grande - elogios que foram interrompidos pelo singelo "Não!" da Prof. Deborah, sentada numa das "poltronas confortáveis" do plenário. Parece que foi um dia cheio...

Mas uma fala me chamou a atenção (especialmente porque eu já estava escrevendo esta postagem): Vereador Bispo Daniel afirmou que, infelizmente, as pessoas não conhecem as atribuições da Câmara Municipal, não sabem qual é a função dos Vereadores. Mesmo pessoas graduadas (nas palavras dele) desconhecem e, por este motivo, confundem as funções do Legislativo e do Executivo. O Vereador está coberto de razão. Este é um dos problemas de nossa Democracia: as pessoas não sabem e não vêem como ela funciona (em sua "copa e cozinha", por assim dizer). Se, por exemplo, as sessões da Câmara Municipal fossem à noite, mais cidadãos poderiam acompanhá-las... mas isso é assunto para outro post.

Podemos nos perguntar, nesse ponto, se arrumar uma boca de lobo é atribuição dos Vereadores; mais ainda, podemos nos perguntar quais são as atribuições de uma Câmara Municipal. Para termos a resposta, recorremos ao Capítulo IV da Constituição Federal, que dispõe sobre as atribuições dos Municípios. Ali se lê, no Artigo 31:
Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

Começamos a entender: então, uma das atribuições da Câmara Municipal deve ser a “fiscalização” da atuação da Prefeitura (Poder Executivo). Quando o texto do artigo termina com “na forma da lei”, é sinal de que deve haver alguma legislação complementar à Constituição, e que deverá reger o modo com esta fiscalização se dará. Tal legislação é a Lei Orgânica do Município de Barreiras (algo como uma “Constituição Municipal”) que, em seu Título II - Capítulo II trata das “Competências da Câmara Municipal” e dispõe (entre várias outras atribuições):
Art.38- É de competência exclusiva da Câmara Municipal:

XI- Fiscalizar e controlar, diretamente, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;


Notem as palavras “exclusiva” e “diretamente”: elas significam que a Câmara Municipal é a única responsável pela “fiscalização e controle” da atuação da Prefeitura, e não pode delegar a ninguém esta atribuição. Um dos mecanismos previstos para esta “fiscalização e controle” pode ser visto no Artigo seguinte:
Art.39- A Câmara Municipal, pelo seu Presidente, bem como, qualquer de suas comissões, pode convocar Secretário Municipal para no prazo de oito dias, prestar pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando crime contra à administração pública a ausência sem justificação adequada ou a prestação de informações falsas.

§ 2º- A Mesa da Câmara Municipal pode encaminhar pedidos escritos de informações aos Secretários Municipais, importando crime contra a administração pública a recusa ou o não atendimento no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas.


Ora, então há um mecanismo, previsto em lei (e repetido também no próprio Regimento Interno da Câmara Municipal de Barreiras, logo em seu Artigo 2º), para que a Câmara Municipal cobre do Executivo (Prefeitura) uma atitude com respeito a qualquer assunto de relevância para o município. Isto faz todo sentido, se pensarmos em termos do arranjo institucional que divide os poderes em três (Executivo, Legislativo e Judiciário): cada um destes poderes tem como uma de suas atribuições (dadas pela Constituição Federal), a fiscalização do funcionamento das demais. Sendo o Legislativo composto por representantes da população, nada mais justo que a população, por meio dos Vereadores, fiscalize e controle a atuação do Poder Executivo (como o próprio nome diz, o Poder que “executa”, que "atua", a Prefeitura).

Assim, se a Prefeitura é responsável pela boca de lobo aberta há mais de um mês em Barreirinhas, a Câmara dos Vereadores também é responsável pela situação, uma vez que está se eximindo de sua função de “fiscalização e controle”. do atos do Executivo. Quando professores e alunos da UFBA levam aos Vereadores uma demanda legítima, e ouvem destes uma defesa da Prefeitura e elogios ao Secretário Municipal (ao invés da aplicação da lei), a Câmara Municipal se torna também responsável pela situação.

Devido o equilíbrio de forças políticas no município (envolvendo, é claro, rumores de distribuição de cargos, etc.), a Câmara Municipal de Barreiras se mostra como um “anexo” ao Poder Executivo, um “apêndice” da Prefeitura. Mas isto pode mudar, não precisa ser assim. O Legislativo pode (e deve) ter autonomia diante da Prefeitura. Cada Vereador pode cobrar, pode exigir que a Câmara exerça seu poder de fiscalização. Quando das discussões sobre orçamento, por exemplo, os Vereadores poderiam consultar a população (de verdade!) para fazer um orçamento municipal que reflita as demandas reais do povo.

E por que eles o fariam? Ora, se tudo está funcionando bem (na cidade dos “vereadores”, não na “nossa”), por que eles haveriam de querer dar ouvidos à população?

Nesse ponto entra a questão das manifestações populares. Enquanto a cidade não demonstrar sua insatisfação com o funcionamento das instituições políticas municipais, a tendência é que tudo continue na mesma. Apenas quando a sociedade civil se organizar e se mobilizar, por meio de manifestações, demandas, plenários cheios e pressão política (pois, sim, isto é atuação política, ainda que não seja “dentro” da política formal) é que os ocupantes dos cargos representativos e executivos sentirão a necessidade de mudar este jeito de fazer política. Só quando mostrarmos que a cidade “deles” não existe e que é a “nossa” cidade que queremos transformar, poderemos ter esperança por algum tipo de mudança real. É por isso que os cientistas políticos dizem que Democracia é (muito!) mais que voto, vai (muito!) além da política formal, das eleições para cargos representativos: Democracia se constrói nas ruas, fazendo a “nossa” cidade, a Barreiras real bater à porta dos nossos representantes, com suas bocas de lobo abertas e pontes caindo.

Já pensou se todos os que estão com problemas vêm fazer manifestação na porta da prefeitura? Já pensou se todos os que estão com problemas vão encher as 190 “poltronas confortáveis” do plenário, e exigir publicamente que seus Vereadores cobrem uma ação da Prefeitura? Já pensei e acho que o Município sairia ganhando (muito!).

(Este texto é uma reprodução de
meu post em OesteMaquia)

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