sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Tese: Auto-Organização e Identidade Nacional

Graças às férias forçadas pelo movimento dos alunos do ICADS, que fecharam o Instituto por alguns dias (e sobre o qual escreverei aqui, na próxima semana, após a reabertura do campus) trabalhei muito no texto de minha tese de doutorado nas últimas semanas. Segue um trecho, ainda meio cru, mas que pode dar uma idéia do que é uma TAO (Teoria de Auto-Oganização):

O objetivo final da tese é apresentar/desenvolver uma teoria de auto-organização própria, fortemente baseada nos desenvolvimentos de Michel Debrun, Henri Atlan e Edgar Morin.

1. Michel Debrun
Revisaremos em bastante detalhe os artigos do autor relativos ao tema. Temos, inicialmente, dois artigos publicados no primeiro volume do livro Auto-Organização: Estudos Interdisciplinares em Filosofia, Ciências Naturais e Humanas e Artes e mais um artigo publicado no Encontro com as Ciências Cognitivas, vol. 1 ("Auto-organização e ciências cognitivas"). Destes artigos gostaríamos de destacar as discussões filosóficas sobre o conceito de auto-organização, suas possíveis aplicações, e a abordagem do NEO-MECANICISMO.

A dinâmica da auto-organização será enfocada dentro de uma abordagem neo-mecanicista. É mecanicista pois:
a) Ao menos no ponto de partida, não tem finalidade.
b) Eventuais finalidades se situam ao nível dos elementos.
c) Tais finalidades (desejos, projetos, etc.) devem ser encarados como forças que se cruzam, se combatem ou se aliam.

A abordagem é neo à medida que:
a) Reserva um lugar às informações que os elementos emitem, recebem e processam ao longo da interação.
b) Trata-se, então, de modelos ‘tridimensionais’ capazes de integrar as três vertentes (energia, informação, significado). Não apenas modelos energéticos puros, nem “energético-informacionais” (modelos cibernéticos), nem modelos “energético-significacionais” (modelos psicanalíticos).
c) “É ‘reducionista’ no ponto de partida das explicações (isto é, vai dos elementos para a constituição de uma ‘forma’), mas torna-se progressivamente ‘holística’ em meados da explicação, levando em conta a influência que a sedimentação de modo crescente da forma exerce sobre o comportamento dos elementos”.

ENERGIA
As teorias físicas de auto-organização já tratam das propriedades de sistemas físicos. Massa/Energia formam faces intercambiáveis de uma só substância , conforme sabemos desde Einstein. Acreditávamos que a informação dissesse respeito apenas a modos de organização, transmissão, troca de massa/energia.

INFORMAÇÃO
De acordo com a proposta de Debrun, a própria caracterização deste mecanicismo como neo exige que se dê um lugar à informação como um dos elementos do modelo; isto significa assumir uma postura não reducionista em relação à informação. Em outras palavras:
a) A troca de informações não pode ser reduzida à troca de matéria/energia: esta impossibilidade de redução se tornou evidente com o experimento de Aspect (década de 80), no qual se afastam partículas - em estado de entrelaçamento quântico - a alguma distância e, ao alterar-se o estado quântico de uma delas, a outra sofrerá (imediatamente!) alteração semelhante. [Há ainda o experimento descrito por Penrose - "O grande, o pequeno e a mente humana" - do detector de bombas]. Este(s) experimento(s), associado(s) ao teorema da não-localidade de Bell, leva(m) à conclusão de que há transmissão de informação entre partículas sem que haja troca de massa/energia entre elas e, portanto, que a informação não pode ser reduzida à massa/energia (ainda que seja "transportada" por elas).
b) A teoria matemática da comunicação de Shannon/Weaver nos fornece o instrumental teórico para tratar a informação como eminentemente sintática; não nos permite, entretanto, trata-la em sua significação (ou em seu potencial significador) e em suas dimensões representacionais e organizacionais. Assim, mesmo metodologicamente a informação não deve ser reduzida a esta dimensão matemática.
c) Para além, cabe lembrar que relações causais também apresentam modalidades materiais-energéticas e informacionais, não redutíveis uma à outra. Um exemplo pode ser visto em Silva (1996). Tome um circuito com dois interruptores A e B em paralelo e uma lâmpada na seqüência, nesta ordem. O circuito é montado de tal forma que, quando o interruptor A está fechado, B está aberto, e vice-versa; desta forma, sempre há corrente chegando na lâmpada. Do ponto de vista da causalidade material, a lâmpada está sempre acesa, e não há transmissão de informação. Do ponto de vista da causalidade informacional, entretanto, o sistema nos apresenta 1 bit de informação (duas posições possíveis: A ligado / B desligado e A desligado / B ligado). Isto significa que a causalidade informacional não pode ser reduzida à causalidade material, ainda que a dependência do suporte material continue também neste exemplo.

SIGNIFICADO
Da mesma forma que não devemos reduzir a informação (conteúdo) ao seu substrato físico/energético, devemos também considerar o significado como algo que ultrapassa o caráter informacional de seu conteúdo. Informações, recebidas pelo receptor, são recebidas, interpretadas e (re-)significadas por este sob a influência de seu entorno sócio-cultural, das próprias disposições prévias de sua própria mente, seja considerando-o como sistema cognitivo autônomo, seja como sujeito dotado de uma historicidade própria e que influencia o modo como esta nova informação será acoplada ao seu "cenário" mental - e como este se acoplará à nova informação.
Debrun cita os modelos psicanalíticos como exemplos de modelos energéticos-significacionais. O significado tem um lugar especial no neo-mecanicismo proposto por Debrun: é a única destas grandezas que é gerada, produzida, pela (inter)ação humana. Será necessário perceber que esta grandeza apresenta uma autonomia dependente em relação ao seu substrato bio-antropo-social. Para tanto, será necessário recorrer a conceitos como o de enraizamento, que pressupõe necessidade sem redução (ver Morin).

Desta forma, tanto física quanto metodologicamente, não devemos reduzir energia, informação e significado a nenhum dos outros elementos, ou combinações destes. Ao contrário, a abordagem deve levar em conta as diversas interações entre elementos diferentes, na criação de uma forma que também não precisa, necessariamente, ser descrita por nenhum dos elementos isolados.
Por exemplo, no 3o capítulo de minha dissertação mostramos um exemplo, baseado em uma análise apresentada por Edgar Morin em O Paradigma Perdido, mostrando como diversos fatores influíram no processo de cerebralização humana, desde nossos antepassados australopitecíneos até o surgimento do Homo sapiens. Neste processo concorreram:
- elementos físico-energéticos (alterações físicas no relevo planetário, em especial no continente Africano);
- alterações ecossistêmicas (avanço da savana/retrocesso da floresta);
- mutações genéticas (processos físicos - alteração do material genético - e informacionais - alteração do próprio conteúdo do genoma), acompanhadas de modificações anatômicas;
- alterações comportamentais, alterando padrões de caça, coleta, padrão alimentar (energético-informacional-significacional);
- paleo-linguagem (informacional-significacional);
- alterações na estrutura social, hierarquia, família (energético-informacional);

REDUCIONISMO X HOLISMO
O neo-mecanicismo se reflete também na necessidade de assumir uma postura reducionista ao início do processo (ao levar em consideração as interações entre os elementos do sistema) mas que vai se tornando cada vez mais holista à medida em que o processo se desenvolve, refletindo o fato de que uma forma (ao modo de atratores) vai se consolidando e tendo cada vez maior influência no devir do sistema, retroagindo sobre as partes. Mais do que um método de análise (contrapondo reducionismo e holismo) trata-se de perceber que o funcionamento mesmo do sistema, em sua temporalidade própria, vai passando de funcionamentos mais fortemente influenciados pelas partes para dinâmicas cada vez mais determinadas por sua forma gerada.
Visit InfoServe for blogger backgrounds.