sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Paralização no ICADS e movimento estudantil

O ICADS, Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável, campus da UFBA em Barreiras, foi fechado nas últimas semanas por um movimento dos estudantes. Entre paralização, devolução dos prédios e limpeza, foram duas semanas sem atividades; decidi escrever um post sobre o assunto apenas depois de encerrada a manifestação e após conversar com alguns estudantes (durante o movimento os professores tiveram impedido seu acesso aos prédios do Padre Vieira e Prainha).

A questão central do movimento era pedir providências com relação ao curso de Geologia: em especial, há a questão da falta de professores - ainda que outras reivindicações tenham sido levantadas, como falta de livros e laboratórios. As discussões a esse respeito já vinham sendo realizadas, no âmbito do colegiado do curso e junto à Direção do Instituto, mas sem que se chegasse a um resultado considerado favorável pelos alunos. Daí a decisão de paralisar o campus (os dois prédios) e solicitar a presença do reitor; tal decisão foi prontamente apoiada por estudantes dos demais cursos, o que resultou na paralisação quase total das atividades acadêmicas e administrativas.

Em primeiro lugar gostaria de parabenizar os estudantes por alguns fatos ocorridos, começando com a própria emergência (no sentido de emergir, surgir) de um movimento tão amplo em tão pouco tempo. Os interesses de um curso, sendo compartilhados (e examinados, à luz das dificuldades particulares de cada um dos cursos) por um contingente de estudantes forneceu o caldo para a emergência de um todo organizado. Tal todo retroagiu sobre os estudantes - talvez alguns deles tenham entendido agora as "forças sociais" de Durkheim - levando-os a repensarem sua posição e seu papel na universidade. Alguns dos alunos certamente passaram, após o ocorrido, a sentirem-se pertencendo a uma comunidade acadêmica, a uma instituição que já conta com quase 200 anos de história: este é um fruto altamente benéfico da mobilização.

A organização deste todo em partes especializadas (Comissão de Ética, Comissão de Comunicação, etc...) denota já o embrião de complexidade no movimento: de acordo com algumas teorias sistêmicas, um sistema se divide em subsistemas para enfrentar a complexidade das relações com o ambiente (no caso, ambiente foram as instâncias administrativas - Comissão de Negociação, Colegiado do Curso, Direção, Reitoria -, os demais estudantes, professores e, em última instância, a sociedade, especialmente por meio da mídia); ao se dividir, aumenta sua própria complexidade. Em resumo: um sistema aumenta sua complexidade interna para reagir à complexidade externa.

Ora, o próprio desenrolar dos fatos mostrou que esta organização funcionou relativamente bem: as negociações foram levadas a um termo agora considerado satisfatório para os manifestantes, o campus foi devolvido inteiro e limpo em suas áreas ocupadas e não há relatos - que eu conheça - de abusos e badernas durante a ocupação.

É claro que nem tudo são flores: como em qualquer negociação desta natureza, há embates, confrontos, desconfianças de parte a parte. Mas, afinal, é disso que é feita a democracia: engana-se quem pensa que este é o regime do consenso; ao contrário, a democracia é o melhor sistema para que se explicitem as divergências, antagonismos e dissenções. E com esta explicitação, freqüentemente surgem rusgas, palavras mais fortes e afirmações impensadas, de parte a parte. O ponto importante aqui é que estas tensões fiquem restritas em escopo (à arena de discussões, que já se encerrou junto com a ocupação) e em profundidade, não chegando a níveis pessoais.

Outro ponto de questionamento diz respeito à participação estudantil nas instâncias representativas formais do ambiente acadêmico. É impossível prever o que teria acontecido (o futuro do pretérito - salvo linguagem auto-defensiva jornalística - é sempre um não-futuro e um não-passado), mas é possível questionar se os estudantes estão exercendo de maneira consciente, organizada e comunicativa seu direito/dever de participação em diretórios/centro acadêmicos, colegiados, congregação. Algumas das reivindicações não poderiam ter sido atendidas por meio da participação política consciente e articulada nessas instâncias?

Quanto às reivindicações em si, tentarei manter a análise o mais distante possível, por não ser minha área de conhecimento (Geologia) nem um curso cujos alunos tenham contato direto comigo. Mas um exemplo significativo é a questão de falta de livros, até por ser algo que outros cursos enfrentam. Ora, a solicitação de aquisição de livros é responsabilidade dos professores: são eles que devem, em conjunto, criar listas de publicações necessárias ao andamento dos cursos - respeitando as condições financeiras reais de uma universidade pública. São eles que devem enviar ao responsável por compras as listas, com a devida identificação de CatMat e ISBN. O Núcleo Administrativo irá, então, montar um edital de licitação chamando as editoras interessadas a fornecer aqueles livros. Este processo todo é bastante demorado (como qualquer licitação sob a égide da 8.666/93) e ao final dele cabe também ao professor, assim que anunciada a contratação da editora fornecedora dos livros e a entrega de volumes à nossa biblioteca, checar se os livros solicitados vieram o não. Alguns podem estar esgotados; outros podem não ter sido encontrados.

Minha pergunta é: esta tarefa de acompanhamento cabe "apenas" ao professor? Certamente a ele sim, mas também aos estudantes - que, afinal, serão os usuários dos livros. E como? Por meio das instâncias representativas. Para isso é preciso um duplo movimento: colegiados comunicarem-se de maneira mais consistente com discentes e instâncias representativas discentes (DAs/CAs) e discentes organizarem-se em torno de seus representantes (individuais ou coletivos) para o acompanhamento de processos de seu interesse.

Percebam que não prego uma cobrança maior de uma parte ou de outra: prego maior comunicação e interação que terão como conseqüência uma maior inter-relação entre estas partes e certamente a emergência de formas mais adequadas de organização com um melhor fluxo informacional e maior articulação entre todos os interessados. Percebam, ainda, que não prego uma responsabilização de um ou outro agente, mas argumento no sentido da necessidade de uma maior co-participação dos envolvidos. "Isso não é problema meu" nunca resolveu nada.

Todo o dito acima culmina numa questão de postura ante a situação: li em algum lugar (desculpem, não lembro se orkut ou blog do movimento) algo como: os alunos não são responsáveis por encontrar soluções para o problema. Talvez o correto fosse: os alunos não são os únicos responsáveis por encontrar soluções. O que eu gostaria de ter lido (não-passado, esperança-de-futuro): os alunos são não só mas também responsáveis por encontrar soluções...

Cabe lembrar, finalmente, que todo movimento dessa natureza (estudantil-acadêmica) tem um perfil político e, desta forma, gera impactos na configuração de forças internas à universidade e mesmo externas, junto à comunidade. Assim, seria de fundamental importância para o aprendizado político e cidadão dos estudantes uma análise - realizada por eles próprios - a respeito do campo de forças políticas no qual eles se inseriram ao deflagar tal movimento. É necessário que os alunos reflitam a respeito da apropriação política de seus atos coletivos: sem esta análise, futuros movimentos deste perfil correm o risco de ser insuflados, radicalizados e utilizados com finalidades diversas daquelas almejadas pelos participantes.

Peço desculpas pelo post longo, mas fiquei ruminando estes pensamentos nas últimas semanas. Ainda haveria (ñ-p, ñ-f) muito o que falar (por exemplo, a participação da imprensa local que conseguiu a proza de irritar todas as partes envolvidas), mas agora, é voltar ao trabalho e mãos à obra para que tudo funcione da melhor e mais participativa maneira possível.
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