sexta-feira, 28 de maio de 2010

"Estado do São Francisco: uma abordagem Político-Econômica", por Márcio Carvalho

Nesta última terça-feira, dia 25 de maio, participei de uma mesa-redonda intitulada "A criação do estado do São Francisco: vínculos históricos e interpretações". Participaram comigo a Professora Ignez Pitta e o senhor João Alfredo dos Santos, do Jornal do São Francisco; a mesa foi mediada pelo Prof. Paulo Baqueiro (o da UFBA).

Publico, logo abaixo, minha apresentação naquela oportunidade: "Estado do Rio São Francisco: uma abordagem Político-Econômica". Mas gostaria de fazer as mesmas ressalvas que fiz durante a apresentação.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que há outras dimensões a serem analisadas além da política e da economia quando pensamos na emancipação de uma região: são de fundamental importância as dimensões identitárias, geográficas e históricas. Mas, nesta apresentação, analiso apenas uma parte (a questão de arrecadação e repasse de recursos) da política-econômica do estado.

Além disso, o foco da apresentação foi analisar a afirmação, tão ouvida pelo povo da região, que o oeste baiano é abandonado, esquecido pelo Governo do estado (e, em menor medida, pelo Governo Federal). Para tanto, fiz um levantamento da arrecadação de tributos estaduais pelos 35 Municípios da região, e comparei com os repasses do Governo do estado aos Municípios. Compilei também os repasses na União aos Municípios daqui. Os resultados são, para dizer o mínimo, interessantes, nos fazendo pensar que o problema real é a gestão de recursos, e nem tanto sua quantidade.

Os dados são de 2009; por uma questão de espaço, coloquei na tela apenas os valores relativos aos municípios de maior arrecadação, mas os totais apresentados sempre levam em conta os valores dos 35 municípios do que seria o Estado do São Francisco.

Finalmente, gostaria de agradecer ao Colegiado do Curso de Geografia pelo convite: este tipo de evento tem que ocorrer com maior frequência, para qualificarmos cada vez mais o debate.

Estado Do Sao Francisco

Por Márcio Carvalho

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sobre a Política Formal em Barreiras - Parte II

Voltando ao assunto (iniciado num post do mês passado) de como nosso Legislativo Municipal tem tratado os assuntos de interesse da população, queria dar um exemplo do tipo de análise que nossos Vereadores poderiam realizar a respeito de certas contratações públicas.

Para que o texto não fique muito longo, vou analisar apenas um dos contratos relativos ao fornecimento de lanches à Guarda Municipal no carnaval, no valor de R$129.600,00. Abaixo, segue o extrato do contrato, conforme publicado no Diário Oficial de Barreiras de 12 de março de 2010:
EXTRATO DE CONTRATO
CONTRATO Nº 020/2010
Contratante: PREFEITURA MUNICIPAL DE BARREIRAS
Contratado: JOAQUIM ALGUSTO VIANA CERQUEIRA – ME
Objeto do Contrato: contratação de empresa especializada visando o fornecimento de refeição para atender as necessidades da Guarda Municipal e contratação de empresa para fornecimento de lanches para o Carnaval 2010 deste Município de Barreiras.
Valor do Objeto: R$ 129.600.00
Modalidade: PREGÃO PRESENCIAL Nº 004/2010
Unidade Orçamentária: 02.16.00 – FUNDO MUNICIPAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Atividade: 02.059– GESTAO DO FUNDO MUNICIPAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Despesa 3.3.90.30.00.00.00 – MATERIAL DE CONSUMO
Prazo da Vigência: 10/02/10 à 10/11/2010.
Data da Assinatura: 10 DE FEVEREIRO 2010
Fundamento Legal: Artigo 61, Parágrafo único da Lei 8.666/03.

O item "Unidade Orçamentária" quer dizer o seguinte: a Prefeitura tem um certo orçamento ("dinheiro no bolso", por assim dizer) para gastar; mas só pode gastar este "dinheiro" para uma atividade específica. Por exemplo, se tenho um recurso, digamos, do Bolsa Família, não posso gastar comprando merenda para as escolas (ainda que esta seja uma atividade necessária e louvável).

Note a Unidade Orçamentária (Fonte dos recursos) do contrato acima: Fundo Municipal da Criança e do Adolescente! Pergunta: qual a relação entre a atividade à qual se destinam recursos (Gestão do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente) e o objeto do contrato (refeição para Guarda Municipal)???

Sei que vão dizer que sou chato, crí-crí, mas e quanto ao "Fundamento Legal" da contratação? Alguém sabe qual é o texto do Artigo 61 da Lei de Licitações (e seu Parágrafo Único)? Relembrando:
Art. 61. Todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes às normas desta Lei e às cláusulas contratuais.
...
Parágrafo único. A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

Vamos tentar decifrar o Artigo. Ele afirma, simplesmente, que todo contrato deve ter um resumo publicado no Diário Oficial, e que este resumo deve conter o nome do contratado, a finalidade, etc.

Muito bem, mas esta condição é necessária (o contrato só vale se tiver o resumo publicado) mas não suficiente (não é qualquer contrato publicado que vale). Voltando ao exemplo da merenda, eu não posso usar dinheiro do Bolsa Família para comprar merenda, ainda que publique o contrato no Diário Oficial.

Quando a Prefeitura coloca como fundamento legal para estes contratos o Art. 61, Parágrafo único, da Lei 8.666/93, ela diz mais ou menos o seguinte: "Eu posso firmar este contrato porque a Lei diz que eu posso firmar qualquer contrato, desde que publique. E eu estou publicando...". Só que isso não é verdade.

Finalizando, ao invés de passar uma sessão inteira louvando a Prefeitura (neste caso, a Prefeita) pelo início das obras do saneamento básico na cidade (voltarei ao assunto, que foi o tema recorrente da Sessão da Câmara dos Vereadores de 11 de maio), os Vereadores deveriam trazer as demandas do público de maneira formal para o Plenário. Não adianta tratar o Plenário da Câmara como um simples local de desabafo, é necessário organizar as demandas da população, formalizando procedimentos, e efetivamente fiscalizando o funcionamento do Executivo. Neste caso específico, seria bastante simples enviar ofício à Prefeitura solicitando esclarecimentos: "Por que foram utilizados recursos do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente para comprar lanches para a Guarda Municipal?"

Como desfecho desta história, a Prefeitura ouviu o clamor da população (mas não dos Vereadores, que, salvo engano, não quiseram se indispor com a atual Administração), e republicou o contrato no Diário Oficial de 13 de abril, corrigindo o objeto do contrato de
Contratação de empresa especializada visando o fornecimento de refeição para atender as necessidades da Guarda Municipal e contratação de empresa para fornecimento de lanches para o carnaval 2010 deste município de Barreiras.

para
Contratação de empresa especializada visando o fornecimento de lanches para atender as necessidades do PROJOVEM (Programa de Inclusão de Jovens) deste Município.

A Prefeitura corrigiu o contrato, ou seja, admitiu que havia algo errado. A opinião pública tem conseguido reverter algumas situações na cidade (como a questão da Ponte da Prainha), e o envolvimento da Câmara de Vereadores traria mais força ainda à cidadania em Barreiras. Como? Dentre outras maneiras, acompanhando a execução destes recursos - agora corretamente destinados ao ProJovem -, bem como a reforma da Ponte da Prainha, problema que alguns vereadores afirmaram já estar sanado um mês atrás, e outros temas de interesse do povo.

(Este texto é uma reprodução de
meu post em OesteMaquia)

terça-feira, 20 de abril de 2010

Sobre a Política Formal em Barreiras – Parte I

Estava ouvindo a Rádio Barreiras ontem pela manhã, e uma ouvinte ligou para o programa do Fernando Pop para reclamar de uma boca de lobo entupida, há mais de um mês, no bairro de Barreirinhas. A cidadã já havia ligado para a Prefeitura solicitando providências, mas algum funcionário municipal disse que não havia “material” (ele não soube dizer exatamente o quê) para realizar o conserto. Enquanto isso, na semana anterior, alguns professores e alunos da UFBA foram a uma sessão da Câmara dos Vereadores do Município e, de acordo com o relato de Márcio Lima (no post “Ainda universidade e política”) não havia expediente, não havia sobre o que deliberar no “plenário com 190 poltronas confortáveis” (como se lê no site da Câmara Municipal de Barreiras).

Sou só eu, ou vocês também acham que há um descompasso entre a Barreiras em que vivemos e a cidade que a Prefeitura e a Câmara Municipal governam? A ouvinte de Barreirinhas vive na mesma cidade tão arrumadinha que os Vereadores não têm o que fazer?

Com esses casos em mente, fui (em companhia de alguns colegas professores) acompanhar uma sessão de nossa Câmara Municipal. Houve três votações: foram aprovados a alteração da composição do Conselho Municipal de Saúde (não foi explicada qual a alteração), um requerimento da vereadora Beza (que não foi lido em público) e um Projeto de Lei destinado a denominar o bairro que conhecemos como Prainha de... bem, Prainha.

Enquanto a palavra estava aberta aos Vereadores, ouvimos desde parabéns ao Exército por seu dia até uma digressão sobre como a caligrafia dos médicos pode ser prejudical aos pacientes; desde a informação de que 80% dos imóveis cadastrados (que serão quantos por cento do total?) não pagam seu IPTU até a reclamação de que a polícia multa condutores cometendo irregularidades, mas as ruas não têm faixas e placas; desde a opinião de que nunca, nenhuma instância do Executivo (Presidente, Governo Estadual, Prefeito [?], do presente ou do passado) fez nada por esta cidade, até dois elogios à Secretaria Municipal de Infraestrutura que já teria (tempo recorde!) consertado duas das pontes que levam Além-Grande - elogios que foram interrompidos pelo singelo "Não!" da Prof. Deborah, sentada numa das "poltronas confortáveis" do plenário. Parece que foi um dia cheio...

Mas uma fala me chamou a atenção (especialmente porque eu já estava escrevendo esta postagem): Vereador Bispo Daniel afirmou que, infelizmente, as pessoas não conhecem as atribuições da Câmara Municipal, não sabem qual é a função dos Vereadores. Mesmo pessoas graduadas (nas palavras dele) desconhecem e, por este motivo, confundem as funções do Legislativo e do Executivo. O Vereador está coberto de razão. Este é um dos problemas de nossa Democracia: as pessoas não sabem e não vêem como ela funciona (em sua "copa e cozinha", por assim dizer). Se, por exemplo, as sessões da Câmara Municipal fossem à noite, mais cidadãos poderiam acompanhá-las... mas isso é assunto para outro post.

Podemos nos perguntar, nesse ponto, se arrumar uma boca de lobo é atribuição dos Vereadores; mais ainda, podemos nos perguntar quais são as atribuições de uma Câmara Municipal. Para termos a resposta, recorremos ao Capítulo IV da Constituição Federal, que dispõe sobre as atribuições dos Municípios. Ali se lê, no Artigo 31:
Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

Começamos a entender: então, uma das atribuições da Câmara Municipal deve ser a “fiscalização” da atuação da Prefeitura (Poder Executivo). Quando o texto do artigo termina com “na forma da lei”, é sinal de que deve haver alguma legislação complementar à Constituição, e que deverá reger o modo com esta fiscalização se dará. Tal legislação é a Lei Orgânica do Município de Barreiras (algo como uma “Constituição Municipal”) que, em seu Título II - Capítulo II trata das “Competências da Câmara Municipal” e dispõe (entre várias outras atribuições):
Art.38- É de competência exclusiva da Câmara Municipal:

XI- Fiscalizar e controlar, diretamente, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;


Notem as palavras “exclusiva” e “diretamente”: elas significam que a Câmara Municipal é a única responsável pela “fiscalização e controle” da atuação da Prefeitura, e não pode delegar a ninguém esta atribuição. Um dos mecanismos previstos para esta “fiscalização e controle” pode ser visto no Artigo seguinte:
Art.39- A Câmara Municipal, pelo seu Presidente, bem como, qualquer de suas comissões, pode convocar Secretário Municipal para no prazo de oito dias, prestar pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando crime contra à administração pública a ausência sem justificação adequada ou a prestação de informações falsas.

§ 2º- A Mesa da Câmara Municipal pode encaminhar pedidos escritos de informações aos Secretários Municipais, importando crime contra a administração pública a recusa ou o não atendimento no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas.


Ora, então há um mecanismo, previsto em lei (e repetido também no próprio Regimento Interno da Câmara Municipal de Barreiras, logo em seu Artigo 2º), para que a Câmara Municipal cobre do Executivo (Prefeitura) uma atitude com respeito a qualquer assunto de relevância para o município. Isto faz todo sentido, se pensarmos em termos do arranjo institucional que divide os poderes em três (Executivo, Legislativo e Judiciário): cada um destes poderes tem como uma de suas atribuições (dadas pela Constituição Federal), a fiscalização do funcionamento das demais. Sendo o Legislativo composto por representantes da população, nada mais justo que a população, por meio dos Vereadores, fiscalize e controle a atuação do Poder Executivo (como o próprio nome diz, o Poder que “executa”, que "atua", a Prefeitura).

Assim, se a Prefeitura é responsável pela boca de lobo aberta há mais de um mês em Barreirinhas, a Câmara dos Vereadores também é responsável pela situação, uma vez que está se eximindo de sua função de “fiscalização e controle”. do atos do Executivo. Quando professores e alunos da UFBA levam aos Vereadores uma demanda legítima, e ouvem destes uma defesa da Prefeitura e elogios ao Secretário Municipal (ao invés da aplicação da lei), a Câmara Municipal se torna também responsável pela situação.

Devido o equilíbrio de forças políticas no município (envolvendo, é claro, rumores de distribuição de cargos, etc.), a Câmara Municipal de Barreiras se mostra como um “anexo” ao Poder Executivo, um “apêndice” da Prefeitura. Mas isto pode mudar, não precisa ser assim. O Legislativo pode (e deve) ter autonomia diante da Prefeitura. Cada Vereador pode cobrar, pode exigir que a Câmara exerça seu poder de fiscalização. Quando das discussões sobre orçamento, por exemplo, os Vereadores poderiam consultar a população (de verdade!) para fazer um orçamento municipal que reflita as demandas reais do povo.

E por que eles o fariam? Ora, se tudo está funcionando bem (na cidade dos “vereadores”, não na “nossa”), por que eles haveriam de querer dar ouvidos à população?

Nesse ponto entra a questão das manifestações populares. Enquanto a cidade não demonstrar sua insatisfação com o funcionamento das instituições políticas municipais, a tendência é que tudo continue na mesma. Apenas quando a sociedade civil se organizar e se mobilizar, por meio de manifestações, demandas, plenários cheios e pressão política (pois, sim, isto é atuação política, ainda que não seja “dentro” da política formal) é que os ocupantes dos cargos representativos e executivos sentirão a necessidade de mudar este jeito de fazer política. Só quando mostrarmos que a cidade “deles” não existe e que é a “nossa” cidade que queremos transformar, poderemos ter esperança por algum tipo de mudança real. É por isso que os cientistas políticos dizem que Democracia é (muito!) mais que voto, vai (muito!) além da política formal, das eleições para cargos representativos: Democracia se constrói nas ruas, fazendo a “nossa” cidade, a Barreiras real bater à porta dos nossos representantes, com suas bocas de lobo abertas e pontes caindo.

Já pensou se todos os que estão com problemas vêm fazer manifestação na porta da prefeitura? Já pensou se todos os que estão com problemas vão encher as 190 “poltronas confortáveis” do plenário, e exigir publicamente que seus Vereadores cobrem uma ação da Prefeitura? Já pensei e acho que o Município sairia ganhando (muito!).

(Este texto é uma reprodução de
meu post em OesteMaquia)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Livro: "Monstros Invisíveis", de Chuck Palahniuk

Chuck Palahniuk é o autor do livro que deu origem ao filme "Clube da Luta", um de meus preferidos. Eu já tinha lido outro livro dele ("Assombro"), meio irregular, em que as histórias de vários personagens eram amarradas em um fio condutor que ironiza e leva ao extremo o mundo dos Reality Shows. Como algumas das histórias são muito boas (a ponto de eu ter incorporado - opa! - a expressão "uma cenoura na família", do primeiro dos contos, em meu repertório) resolvi arriscar mais um livro dele.

Na real, eu estava viajando a Campinas, por conta do doutorado, e já estava lendo um bom livro; mas meu estado de espírito estava mais na linha de Tyler Durden: I felt like destroying something beautiful. Então, entrei na FNAC e pedi o último Palahniuk...

Bom, tenho pouco a falar sobre o livro: não recomendo, não. A crítica desta vez se volta ao glamour do mundo da moda, por meio de uma protagonista que perdeu todo o maxilar ao levar um tiro. Drogas legais, esquemas, transexuais, tudo bastante exagerado, a ponto de ficar meio bobo algumas vezes. No fundo, mais importante que a história enrolada é o modo como o autor conta os acontecimentos, sendo possível perceber a estrutura narrativa semelhante à do Clube da Luta: o autor é fácil de se levar às telas, pelo modo como escreve, apesar de meio complicado pelos temas. Acho melhor ficar com o filme do Fincher, ao qual sempre voltei cada vez que I felt like putting a bullet between the eyes of every Panda that wouldn't screw to save its species. I wanted to open the dump valves on oil tankers and smother all the French beaches I'd never see. I wanted to breathe smoke.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Série: Lost

Eu tinha me prometido escrever sobre Lost somente depois de encerrada a série, para evitar os malfadados spoilers. Mas não deu para esperar; faltam 100 dias para Lost acabar e o início da 6a temporada só me fez confirmar a opinião de que esta é uma das melhores produções para a televisão já realizadas. Além de outros fatores (como a narrativa - geralmente - boa), creio que a ousadia dos produtores é em grande parte responsável pelo nosso fanatismo (fanatismo sim, a ponto de não conseguirmos esperar uma mísera semana para ver na AXN, TEMOS que baixar assim que sai nos EUA). Até para falar disso, já vou cair em spoilers; portanto, quem não está acompanhando a 6a temporada, pare aqui ou prossiga por sua própria conta e risco (Val, estou guardando os episódios para você, só leia o resto depois de vê-los).
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Bom, em primeiro lugar, o gênero. O suspense da 1a temporada foi dando lugar, paulatinamente, à ficção científica, passando por temas canônicos do gênero como a viagem no tempo e culminando agora com realidades paralelas. A estrutura narrativa reflete os temas abordados: inicialmente, tínhamos os flashbacks, construindo personalidades e relações prévias entre as personagens; no final da 3a temporada, recebemos o presente dos flashforwards, nos indicando o que aconteceria no pós-ilha e nos preparando para as viagens no tempo. Na 5a temporada, quando os saltos no tempo passam a acontecer, e o grupo se separa em "tempos" diferentes, os flashbacks são quase totalmente substituídos pelas narrativas assincrônicas - flashtimes. E agora, com a criação de um universo paralelo em que o avião não cai, temos o recurso dos flashsideways, passados em realidades diferentes em 2004 e 2007. Em resumo, a gente não se cansa com a narrativa, pois ela muda a cada mudança de estrutura do tema.

Ok, mas a forma não seria suficiente se o conteúdo não prestasse. E presta. E muito! É claro que houve certas irregularidades: a 3a temporada, com a greve dos roteiristas, me parece ter sido a mais prejudicada em seu início, mas nada que comprometesse. 

As viagens no tempo começaram a ser abordadas na 3a temporada (Season 3, Episode 07, s03e07 - Not in Portland). Sutilmente, com o personagem Aldo (que reaparece na s06 só pra tomar um balaço) lendo "Uma Breve História do Tempo", de Stephen Hawkings e depois, na Sala 23 (em que Karl está passando por uma lavagem cerebral a la Laranja Mecânica), onde uma voz gravada ao contrário diz "Only fools are enslaved by time and space": os tolos somos nós... Logo no episódio seguinte, s03e08 - Flashes Before Your Eyes (na minha lista de "Top 5 para entender Lost") Desmond "salta" no tempo, como seus amigos farão na 5a temporada. No final deste post, quando colocarei minha teoria sobre o que vai acontecer, volto a falar sobre este episódio, sobre o papel de Desmond e sobre o que a Sra. Hawking ensina para ele.

Mas foi em s04e05 - The Constant que o tema entrou de forma conclusiva na trama. Lembro de minha reação quando Faraday diz para Desmond encontrá-lo em Oxford em 1996 (De Volta para o Futuro???): gritei um PQP sozinho na sala, comemorando porque a série entrava de vez para o cânone da fc. Daí pros saltos no tempo foi um pulo (trocadilho péssimo). Confesso que até aí minha teoria era de um loop simples no tempo: eles chegaram na ilha e deveriam ficar nela, rodando no tempo até fazerem algo, talvez mudarem seu comportamento para alterar uma das variáveis da Equação de Valenzetti.

Digo que os produtores foram ousados porque não deveria ser fácil fazer os personagens saltarem no tempo (ainda mais, em grupos separados) sem que isso confundisse os telespectadores. Mas eles arriscaram, e construíram a narrativa de forma tão amarrada que as pessoas não se perderam (é claro que às vezes esquecíamos quem estava quando, mas no geral foi tranqüilo). A série tratou os fãs como gente grande. 

Vamos falar agora do que está pegando mesmo na série: universos paralelos. Li em algum lugar - mas não consegui encontrar o vídeo - que nos extras da 5a temporada há uma cena deletada de Faraday explicando o mecanismo de auto-correção do tempo, e sua idéia de explodir a bomba. Segundo a descrição, imagine o tempo como um filete de água correndo. Se você jogar uma semente neste riacho, o fluxo é perturbado muito levemente, mas volta rapidamente a correr da mesma maneira que antes. Agora, se você atirar uma pedra (ou uma bomba nuclear, hehe) você pode até repartir o filete em dois. Creio que foi isso que aconteceu, criando as realidades paralelas. Resta a pergunta: os dois "filetes d'água" irão se reencontrar? 

Construí minha teoria com base num post de meu amigo Shmoo no The Fuselage (Shmoo, me passa o  endereço do thread para eu postar aqui!! já está no link acima). Resumindo, em s03e03 - Further Instructions, Locke tem uma visão com os personagens no aeroporto de Sidney, prestes a embarcar. Desmond - que não estava no vôo, neste universo - estava vestido de piloto. Bem, por que piloto? Ora, ele deve guiar, de alguma maneira, os sobreviventes. E por que Desmond? Bem, em s03e08 - Flashes Before Your Eyes a Sra. Hawkings ensina a Desmond uma regra da viagem no tempo (para trás): não se pode mudar o presente mudando o passado. Segundo ela, o universo tem um mecanismo de "auto-correção", o que significa que mesmo que você mude algum fato no passado, este fato acontecerá, mesmo que de modo ligeiramente diferente. Foi o que vimos no final de toda esta temporada, com Desmond tentando salvar Charlie mas, finalmente, não conseguindo em s03e22 - Through the Looking Glass.

Ainda sobre o episódio de Desmond, podemos ver rapidamente as pedras - branca e preta - que representam a dualidade na ilha, Jacob e anti-Jacob (e que já tinham sido vistas antes no bolso de Adão e Eva, em s01e06 - The House of the Rising Sun, e nos olhos de Locke no sonho de Claire em s01e10 - Raised by Another), sobre uma mesinha na primeira volta no tempo de Desmond. Isto indica que ele tem papel fundamental neste balanço de poder, assim como Locke. Aliás, outro dia vi alguém citando as pedras no episódio de Desmond no fórum The Fuselage, mas eu tinha visto antes, anos atrás (quando a teoria é dos outros eu falo; como a descoberta foi minha, vou me gabar ;-) ). 

Mas tem o seguinte: como explicou Faraday (talvez no já citado s04e05 - The Constant, mas não consegui me lembrar nem descobrir a referência), Desmond é a única pessoa que é capaz de mudar o futuro! Foi o que ele conseguiu fazer neste episódio, mudando sua lembrança e guardando o número de telefone para ligar para Penny. Lembro que Faraday mudou de idéia em s05e14 - The Variable, achando que o livre arbítrio das pessoas - e uma bomba atômica - pode mudar o futuro, mas o que aconteceu, no final das constas, foi sua morte, que já estava programada (a mãe lembrava de ter atirado nele no passado). 

Vi no Fuselage muita gente reclamando dos flashsideways, dizendo que esta linha narrativa não interessa em nada, é só pra gastar tempo. Discordo. É muito difícil imaginar como as linhas narrativas paralelas (em 2004 e 2007) possam se juntar, mas levando em consideração o mecanismo de auto-correção do universo, creio que é exatamente isso que vai acontecer. Com ilha ou sem ilha (embaixo d'água), creio que os eventos das duas realidades irão convergir, os personagens estabelecerão novas relações (Kate e Claire já se aproximaram em s06e03 - What Kate Does) e, eventualmente, os fatos das duas linhas irão convergir para um mesmo resultado comum.

Renato Frigo, na Lista do CLFC, perguntou: "como a ilha afundou, o Widmore morreu naquela explosão e com isso não teremos na versão atual de 2007 o Widmore tentando entrar na ilha...n em a Penny existe mais... logo o Desmond estaria no avião porque?" Minha resposta, então, é: para "pilotar" os personagens deste universo alternativo de 2004, alterando seu futuro (ele é o único que pode!) e levando-os a uma situação semelhante aos seus alter-egos da ilha em 2007. 

Por que Desmond sumiu do avião, em s06e02 - LA X 2? Como os universos paralelos irão colapsar? Vamos saber em 100 dias.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Borges e seus Metacontos


Hesitei em escrever sobre Borges, pelo simples fato de ser Borges. Este texto facilmente cairia num grande (e vazio) elogio da obra do autor; ou então, numa coleção de recomendações. Quando comecei a ler Ficções, logo no conto "Tlön, Uqbar, Orbis Tertius", a cada página eu pensava: fulano tem que ler isso, sicrano vai adorar, preciso tirar uma cópia para Mariazinha.

Decidi, então, deixar de lado a crítica (incompetente que sou em fazê-la) e a recomendação (simplesmente LEIAM!) e vou falar um pouco sobre os motivos que levam Borges a ser o autor preferido dos lógicos. Para tanto, vou analisar o tema de dois contos e tratar um pouco da estrutura geral apresentada pelos textos de "Ficções".

Tomemos, em primeiro lugar, o conto "Funes: o Memorioso". Trata-se de uma fantasia a respeito de um homem que, após um acidente, ganha a capacidade de lembrar-se de tudo. Imagine isso! Mais que uma memória eidética, trata-se da capacidade de se lembrar de todos os detalhes e posições, por exemplo, da roseira que vejo enquanto escrevo esta postagem, das diferenças entre um objeto no agora e o mesmo objeto no agora há pouco.

Entretanto, ainda que esta característica pareça, à primeira vista, algo estritamente positivo, Borges nos surpreende ao mostrar que esta memória perfeita é incapaz de raciocinar! Isto acontece porque, tendo Funes o registro de todos os pormenores de qualquer objeto em qualquer instante, ele é incapaz de ver  nesses objetos qualquer constância. Ao ver um cachorro e olhar para ele um segundo depois, tantas coisas, detalhes, posições, configuração dos pelos, orelhas, olhos, boca, seu peito arqueado pela respiração, tanto, tanto mudou naquele simples cachorro que Funes não consegue aceitar ser(em) o mesmo cão.

Borges nos diz que Funes é incapaz de generalizar. Além disso, seu mundo não contém um dos princípios da lógica aristotélica:
x, x = x (para todo objeto, vale que ele é idêntico a si mesmo) - Princípio da Identidade.

No mundo de Funes, a ciência seria impossível, pois todo conhecimento seria particular, sem espaço para generalizações (nem mesmo a respeito de um único objeto, pois o Memorioso vê, nele, inúmeros objetos não-relacionados).

Outro conto fantástico é "A Biblioteca de Babel", que descreve um mundo formado por uma vasta (potencialmente infinita) biblioteca habitada por pessoas e com o conjunto de todos os livros possíveis. E que são estes "todos livros possíveis"? Todas as combinações de caracteres possíveis (para simplificar, um único alfabeto, e apenas vírgulas e pontos como sinais de pontuação). Vocês conhecem a idéia: dado tempo suficiente, um macaco numa máquina de escrever chega a digitar Hamlet, de Sheakespeare. Ou seja, na Biblioteca de Babel (em algum lugar dela) está a sua dissertação de mestrado, minha primeira redação da escola, o "Dependência e Desenvolvimento na América Latina" de FHC (nós podemos esquecer, mas a Biblioteca não esquece nunca! - como Funes), tudo isso gerado por puro acaso.

Não consigo dissociar esta imagem de uma descrição dos sistemas vivos que vem se tornando padrão: ilhas de ordem num universo de desordem. De todos os livros da Biblioteca, a quantidade de livros (organizações de letras) aproveitáveis seria minúscula em relação à quantidade de livros apenas com letras agrupadas sem sentido. Em outras palavras: numa distribuição aleatória de letras, a quantidade de distribuições que fazem algum sentido é muito menor que a quantidade das caóticas. Isto é quase uma definição de entropia, em que a quantidade de estados mais desordenados é muito maior que a de estados ordenados; e o ser vivo é, muito claramente, um sistema de partículas organizadas, em baixa entropia, que sobrevive ao gerar desordem no ambiente (e captar ordem dele).

Mas eu queria avançar um raciocínio: se não houver limite de páginas por livro, a Biblioteca contém não só infinitos livros mas também livros infinitos! E mais: se a quantidade de livros for infinita, as quantidades de livros significativos e não-significativos também serão infinitas (desde que tomemos a liberdade de definir como "significativo" um livro que ninguém consegue ler até o fim no tempo de uma vida finita...) Neste caso, a análise do parágrafo acima cai por terra: não podemos mais comparar as quantidades.: todos infinitos deste tipo - chamados "enumeráveis" - têm a mesma quantidade de elementos. Acho melhor colocar um limites de letras para os livros da Biblioteca de Babel.

Além disso, a Biblioteca de Babel tem um catálogo, que faz referência a todos os outros livros (sim, da combinação aleatória de letras também surgiria um catálogo de todas as outras combinações). Ora, pergunto: se o catálogo referencia todos os outros livros, ele é completo? Bom, se o catálogo é um livro, ele deveria constar em si mesmo e, como não consta, é incompleto. Mas, pensando melhor, deve haver um meta-catálogo que referencia todos os outros livros e mais o catálogo original... Mais uma vez, sem um limite de letras por livro, estamos diante de uma progressão infinita.


Se os jogos com o conhecimento e com quantidades infinitas já são suficientemente enlouquecedores, a estrtura geral dos contos de Borges também não é nada simples. As histórias são contadas, geralmente, como "histórias a respeito de histórias". Como escreve o autor no Prólogo do volume:

"Desvario laborioso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de explanar em quinhentas páginas uma idéia cuja exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que estes livros já existem e apresentar um resumo, um comentário".


Ele faz exatamente isso, escrevendo sobre livro imaginários. Por exemplo, o já citado "Tlön, Uqbar, Orbis Tertius" não é um conto sobre o país Uqbar, do planeta Tlön, mas sim um conto sobre uma enciclopédia (criada pela confraria de intelectuais chamada Orbis Tertius) que descreve o país Uqbar do planeta Tlön. O conto é um texto fictício sobre um texto fictício escrito por um grupo fictício: é um metaconto.

A estrutura é semelhante à de "O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam", em que os personagens descrevem um livro que é um labirinto (é quase uma alegoria do hipertexto - esses links que você clica e te levam de texto em texto na web - escrito 50 anos de isso existir) e levada ao paroxismo em "Peirre Menard, autor do Quixote", em que o narrador descreve a tentativa de um autor (mais uma vez fictício) de escrever "Dom Quixote", séculos depois da escrita original de Cervantes, mas com a condição de que o texto seja o mesmo, palavra por palavra! Um metaconto: a descrição do trabalho de um autor que se impõem a reescrita de um livro que já existe, sem copiá-lo, obviamente. Se não tomarmos cuidado, as regressões se tornam infinitas, mais uma vez.

Não é à toa que o bibliotecário cego de Umberto Eco em "O Nome da Rosa" se chamava Jorge...

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Boas Festas

Segue mensagem de meu grande amigo Rodrigo, faço minhas suas palavras e voto.

Para aqueles que sempre se emocionam e me pedem repetidamente (valeu Rafa), segue meu tradicional voto de boas festas.




Abraços
rodrigo
P.S.: Talvez algumas pessoas mais jovens não entendam completamente a piada devido ao advento da tecnologia de votação eletrônica que aposentou as charmosas e democráticas cédulas de papel. Democráticas porque você podia votar efetivamente em quem quisesse. Ou escrever um também democrático palavrão.
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