quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Boas Festas

Segue mensagem de meu grande amigo Rodrigo, faço minhas suas palavras e voto.

Para aqueles que sempre se emocionam e me pedem repetidamente (valeu Rafa), segue meu tradicional voto de boas festas.




Abraços
rodrigo
P.S.: Talvez algumas pessoas mais jovens não entendam completamente a piada devido ao advento da tecnologia de votação eletrônica que aposentou as charmosas e democráticas cédulas de papel. Democráticas porque você podia votar efetivamente em quem quisesse. Ou escrever um também democrático palavrão.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Links Científicos

Para os biólogos: Cell Size and Scale
Para os químicos: Tabela Periódica (Portuguese Periodic Table)
Para os computeiros: Historical Browser Statistics
Para os psicólogos: Bob McFerrin Fucks With Your Mind
Para os matemáticos: (1-(|x|-1)^2)^0.5=-2.5(1-(|x|/2)^0.5)^0.5 - Wolfram|Alpha

Para os físicos: Interference
Para os sociólogos: Rede de Tecnologia Social
Para os saudosistas: Os Cientistas (quase chorei quando encontrei este site)
Para todos: Homo erectus (quase chorei... de rir)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Os Sete


O mercado editorial brasileiro, apesar do crescimento recente, ainda é fraco em lançamentos no segmento conhecido por "Ficção Científica, Horror e Fantasia". Por esse motivo, fiquei bastante empolgado quando as listas de discussão e o fandom da área começaram a falar do escritor André Vianco, "o Stephen King de Osasco". Decidi dar minha contribuição e aproveitar para voltar a ler um livro de horror - há tempos li meu último Stephen King. Comprei Os Sete, romance sobre antigos vampiros portugueses que são encontrados presos dentro de uma caravela naufragada no litoral brasileiro.

A história é bem interessante, com uma boa divisão de linhas narrativas que voltam a se amarrar do meio para o fim do livro. A descrição das partes sanguinolentas também é bastante gráfica, e a idéia geral do livro se sustenta. Vianco é um contador de história imaginativo e seus vampiros (cada um com uma "habilidade" especial) funcionam como um time quase invencível.

Mas há um problema, na minha opinião, sério: o livro é muito mal escrito. Há alguns momentos em que parece que o autor é incapaz de usar orações subordinadas, coodenadas, ou apenas longas. Durante a leitura, eu chegava a rezar por um ponto-e-vírgula, um dois-pontos, um mero "e"... Parece bobagem, mas vá ler quase 400 páginas de: "Eles estavam no cais. O cais estava frio. O vento frio agitava seus cabelos. As ondas quebravam com força". Haja paciência! Depois de umas 20 páginas disso, a cada ponto final eu tinha um sobressalto.

O autor é um ótimo contador de histórias, mas talvez seja um cara que funciona melhor mestrando (ou mestreando) um RPG. Por exemplo, um vampiro vai tentar abrir um enorme portão enferrujado; inicialmente não consegue, então "o monstro usou sua força vampírica para abrir o portão". Quase posso me ver numa mesa de Vampiro: a Máscara, participando do seguinte diálogo: "Vou abrir o portão!", "Você não consegue, a fechadura está enferrujada", "Jogo 1d6 contra minha força vampírica", "Tirou 3, conseguiu abrir o portão!"

A questão é a seguinte: a literatura brasileira mainstream é muito rica e culta em sua forma; o esmero com o idioma é marca registrada dos autores nacionais mais importantes. Já os (sub-)gêneros fc, horror e fantasia, de uma maneira geral, dão mais ênfase no conteúdo, e acabam sendo desprezados por nossa elite cultural. É claro que há honrosas exceções (Ignácio de Loyola Brandão, com "Não Verás País Nenhum", André Carneiro) e casos semelhantes na literatura internacional (se o texto de Tolkien é refinado, Asimov é bastante básico), mas me parece que um maior cuidado com a forma seria muito produtivo para os autores nacionais, e para o gênero de uma maneira geral.

Antes que me critiquem: sei que é mais fácil dizer do que fazer. Minha novela publicada ("De Genes, Clones e Afins") é um exemplo de pouco cuidado com a forma. Meu português é até razoável :-) mas o texto é esquemático e pouco detalhado. Um amigo deu uma ótima definição: "Foi o melhor abstract de romance que eu já li". Mas com mais treino e leitura vai-se apurando a técnica - assim espero!

Para encerrar, apesar de todas as críticas, a história de Os Sete é muito bem construída. Para falar a verdade, terminei o livro louco para saber o que acontece depois (no livro "Sétimo"), mas acho que não vou comprar, não: vou procurar para baixar na rede.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Crítica da Apresentação: "Natura y Cultura"

Na última sexta-feira, dia 4 de dezembro, fui a Campinas para assistir a uma apresentação de um professor da Universidade de Barcelona - cujas áreas principais de estudo são a filosofia analítica, filosofia da ciência e lógica -, convidado por minha orientadora para falar sobre "Natureza e Cultura" com nosso grupo de Auto-Organização (como vou criticar bastante a apresentação, me reservo o direito de não dizer o nome do professor que, de maneira geral, foi extremamente simpático). Resumo, abaixo, sua apresentação:

A idéia básica é tratar o genoma e o cérebro como processadores de informação (o primeiro confiável, de longo prazo, o segundo mais contingente, em "tempo real"). "As coisas mais importantes estão no genoma", disse ao início o professor, inclusive ações como, por exemplo, o reconhecimento de faces: neste caso, o genoma cria um cérebro que já tem estruturas capazes de realizar a tarefa. Sob este ponto de vista, a Cultura é vista como um tipo de informação, presente no cérebro e cujas unidades menores (os memes, nomenclatura popularizada por Richard Dawkins no livro O Gene Egoísta) encontram-se codificadas nas conexões neuronais. Tal concepção permite a existência de uma Cultura Individual, definida como o conjunto dos memes codificados no cérebro de um ser humano x num instante t; da mesma forma, o que ele chama de Cultura de Grupo é definido como a união de todos os memes presentes em todos seres humanos x pertencentes a um grupo G num dado instante t. Mais ainda, pode-se definir a grandeza Cultura Unânime como a intersecção dos memes presentes em todos seres humanos x pertencentes a um grupo G num dado instante t; este conjunto, segundo o professor, é vazio para grupos grandes como por exemplo a população de um país.

Se você não é sociólogo, ou de áreas afins, pode não ter notado certos problemas com esta descrição; ela pode parecer até bastante atraente do ponto de vista operacional, já que é possível operar matemática e logicamente com conjuntos, por meio de regras bastante bem definidas. Mas há alguns problemas importantes aí. Se definirmos Cultura apenas como o conjunto dos conhecimentos presentes no cérebro dos indivíduos, deixamos de lado uma série de estruturas sociais, modos de armazenamento externos (livros, história oral, blogs, etc.) e relações sócio-político-econômicas que estão disponíveis aos membros de uma sociedade, mas não necessariamente se encontram completamente refletidos em suas conexões neuronais. Em outras palavras: Cultura é muito mais que a soma dos conhecimentos dos indivíduos. Eu nunca li "Dom Quixote", mas este texto pertence à minha cultura, o que me permite ler um conto de Borges sobre este livro e entender o significado de um adjetivo como "quixotesco" e de uma metáfora como "moinhos de vento".

O professor espanhol usa uma abordagem bastante ortodoxa, cartesiana, ao dividir o ente "cultura" em suas manifestações individuais (cultura individual) e mais ainda em suas menores partes (memes). Mas, faz realmente sentido pensar em uma cultura individual? Cultura não deveria ser algo definido em função das relações entre seres humanos? Faz sentido dizer que a cultura de um grupo não envolve suas práticas sociais, simbolismos, tradições que podem moldar comportamentos sem serem necessariamente expressas em codificações neuronais? E que dizer da tal cultura unânime, que seria um conjunto vazio em grandes populações? Nós brasileiros  - como de resto, qualquer participante conjunto de indivíduos que se auto-denomina "nação" - não temos, então, uma história, instituições político-sociais, idioma e o escambau em comum?

O que aconteceu nesta apresentação foi um caso de duplo colonialismo: em primeiro lugar, o professor, vindo da Europa, chegou em nossas terras tupiniquins imbuído do objetivo de doutrinar os pobres nativos: sua apresentação foi pobre, e ele não esperava que os subdesenvolvidos conhecessem algo dos assuntos por ele tratados.

Numa segunda dimensão, trata-se do colonialismo freqüente entre ciências exatas ou naturais, de um lado, e ciências humanas, de outro: muitos cientistas das áreas ditas "duras" acham que as ciências humanas estão buscando desesperadamente um método que as permita ser ciências "de verdade", seja via matematização, seja via biologização dos temas das humanidades. Ao tratar um tema tão central nas ciências humanas  como é a Cultura (totalmente central, cerne mesmo da antropologia e da sociologia) seria de se esperar, minimamente, que o professor ao menos citasse os autores e escolas de pensamento destas áreas (minto, ele citou Lévi-Strauss para dizer que ele estava errado, pois o tabu do incesto é encontrado em outros animais - sugiro leitura mais detalhada do autor-, e Freud para dizer que é religião).

Vou contar dois segredos, por favor, não espalhem: 1. Nós cucarachas não estamos desesperados por receber o conhecimento pronto gerado no Norte (ao contrário, cremos ter capacidade de contribuir como parceiros para a geração de novo conhecimento) e 2. Nós das humanidades não estamos deseperados por receber prontos os métodos das ciências naturais. É claro que as ciências humanas têm muito o que aprender e utilizar das ciências mais formais, como a física e a matemática, e devem fortalecer sua interação com as ciências biológicas (que apresentaram um crescimento muito grande no último meio século); isto não significa transplantar a matematização das primeiras ou se reduzir às últimas, situações que acabam sendo sempre aventadas e que, de resto, foram tentadas em alguns momentos, seja por pensadores das próprias humanidades, seja por "colonizadores externos".

Um exemplo de tentativa de "colonização" foi a Sociobiologia, proposta pelo entomologista norte-americano Edward O. Wilson. Esta teoria afirma que o comportamento humano pode ser estudado exclusivamente por uma abordagem evolutiva; hoje, a Sociobiologia está desacreditada, mas sua "filha", a Psicologia Evolucionária ainda dá frutos e aparece com mais destaque na mídia do que as abordagens puramente sociológicas ou antropológicas. Wilson, quando lançou sua teoria, acreditava estar auxiliando as ciências humanas, trazendo-lhes uma base biológica; o biólogo não entendeu quando vieram as duras críticas por parte das humanidades.

Ora, o fundamento das críticas era, simplesmente, o fato de que o tema das humanidades estava sendo reduzido aos parâmetros de outra ciência. Tal redução desconsidera por completo todo o desenvolvimento teórico e todo o pensamento social produzido não apenas nos últimos séculos (desde o surgimento de disciplinas específicas das humanidades) mas também de toda filosofia social que remonta até os pré-socráticos. A questão aqui foi o tratamento dado às questões antropossociais como mero apêndice do mundo natural, a ele considerado redutível, desconsiderando completamente a dimensão simbólica e cultural das sociedades humanas, bem como sua enorme diversidade. Quando se fala de primatas, há certamente pontos a serem discutidos em comum; porém, comparar "sociedades" de insetos a "sociedades" humanas é pura e simplesmente chamar duas coisas completamente diferentes pelo mesmo nome. É postura semelhante a dizer: pra falar sobre essas bobagens, falamos nós, cientistas "exatos", já que todo conhecimento se reduz ao "nosso" conhecimento.

Ao se tratar com o respeito devido os desenvolvimentos teóricos das humanidades, todos teríamos a ganhar. Enquanto o ser humano for concebido, pelas humanidades, como ser incorpóreo e etéreo vivendo num mundo puramente cultural ou, pelas ciências naturais, como ser cujo comportamento é ditado exclusivamente por seu genoma, ele não terá sido realmente concebido. Apenas quando conseguirmos entender o fenômeno humano como simultaneamente cultural, biológico e psicológico (não apenas como uma composição destes, mas percebendo que cada uma destas dimensões está "entrelaçada", "acavalada", "entranhada" nas demais, à moda de uma conjunção complexa "&") é que poderemos começar o tratamento mais correto das questões relativas ao comportamento humano, sem nos deixar levar pelo canto da sereia da redução de nossa complexidade a uma simplificação mutiladora a um desses termos.

domingo, 6 de dezembro de 2009

O Clube do Filme

David Gilmour foi crítico de cinema, apresentador de talk-shows na TV canadense e escritor. A certa altura de sua vida, com dificuldades de conseguir emprego e um filho de 15 anos sendo reprovado seguidamente no colégio, pai e filho fazem um pacto: Jesse poderia abandonar a escola, não precisaria trabalhar nem pagar aluguel, desde que se comprometesse a ver 3 filmes, escolhidos pelo pai, a cada semana. Se possível, conversariam depois sobre o filme e suas relações com a vida dos dois.

A história deste relacionamento está no livro O Clube do Filme, escrito pelo pai após quase três anos nesta experiência. Durante este tempo, o filho cresceu, passou por crises amorosas, usou drogas e... assistiu a filmes. O pai, David, se perguntou todo este tempo se havia tomado a decisão correta ou se estaria prejudicando irremediavelmente Jesse, retirando dele o que é considerado quase que universalmente o bem maior que se pode dar a um filho: a educação. A dúvida procede: é óbvio que boa parte dos "aborrescentes", se questionados quanto à escola, prefeririam ficar em casa, coçando suas partes não-públicas-mas-púbicas, vendo TV e navegando na internet (a bem da verdade, é provável que a maioria dos adultos também respondesse isso com relação a seus empregos...); entretanto, uma coisa é um garoto de 15 anos querer algo, outra completamente diferente é um adulto responsável por ele deixá-lo ter o que quer.

David foi ousado, e deixou seu filho em casa, com a esperança de que, no futuro, ele próprio retornaria à escola (o que efetivamente aconteceu). Outra decisão positiva do pai foi apresentar a Jesse filmes de todos os gêneros e qualidades: dramas, comédias, terror, desde cults europeus até a pior trasheira hollywoodiana. Isto permitiu que o filho se identificasse mais com as sessões, sem que estas se tornassem aulas em pele de DVD.

Mas se a filmografia e a relação pai-fillho são os pontos altos desse livro, há vários pontos-baixos. Muitos trechos parecem estar lá apenas para a auto-afirmação do autor, o qual, diga-se de passagem, acaba sendo o foco do livro ao invés do relacionamento entre ele e o filho; é a volta do velho narcisismo, tocado num post anterior. Não poucas vezes me peguei pensando: tá, mas não quero saber de você, quero saber dos filmes e dos papos que você teve com seu filho. Parece que até Jesse fica de saco cheio do pai depois de um tempo; um crítico mais ácido escreveu: "pra parar aquela chatura paterna vale tudo, até trabalhar como lavador de pratos ou, suprema desdita, voltar a estudar".

Além disso, em muitas passagens parece que o autor de 50 anos é mais "aborrescente" que seu filho adolescente. Quando Jesse perde uma namorada e chapa o coco até baixar hospital, o pai pensa: "Ele vai morrer disso!". Que é isso, rapaz? Parece que David nunca foi adolescente: nessa época, tudo é difícil, importante, fundamental mesmo, e qualquer revés na vida é o fim do mundo (tem um filme que não estava na filmografia de Gilmour, Donnie Darko, que traz uma fantástica metáfora do que é a adolescência; talvez o autor devesse vê-lo...). Não vai morrer não, vai só chapar mais ainda e depois passa.

Enfim, o livro tem altos e baixos. Vale a leitura, mas achei que seria melhor.

E... não, Gabriel, nem peça para montarmos nosso próprio Clube do Filme que não vai rolar...

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Viagem a Canudos

Neste último fim de semana, dias 28 e 29 de novembro, participamos de uma excursão para Canudos/BA, com os alunos do Bacharelado Interdisciplinar de Ciência e Tecnologia. A viagem foi muito boa, em diversos aspectos (relevando ônibus com ar condicionado quebrado, atrasos e confusões com pousadas e transportes).

Após uma longa jornada de ida (14 horas de ônibus), fizemos uma primeira parada em Euclides da Cunha, onde utilizamos o auditório da UNEB para dar as primeiras instruções aos alunos quanto ao trabalho de campo. A idéia foi dividi-los em 10 grupos que devem criar pequenos documentários de 10 a 20 minutos de duração, sobre temas especificados por nós e referentes à Guerra de Canudos.

Mais uma hora no ônibus e chegamos a Monte Santo, cidade pequena mas muito bem arrumada, onde Antonio Conselheiro restaurou as 24 capelinhas da Via Sacra. Subida infernal para chegar ao topo do tal Monte, onde Prof. Sandro incorporou o "Bom Jesus Conselheiro" e pregou para nós em frente à igreja, explicando (e exemplificando um pouco, hehe) aos alunos e demais professores o significado do messianismo naquela região.

Depois de uma descida quase tão ruim quanto a subida, tivemos que esperar um tempo na praça da cidade, mas valeu a pena: o pessoal do Museu do Sertão o abriu para nós, já às 19hs. Os alunos tiveram a oportunidade de ver diversos artefatos, armas e fotos da época da Guerra de Canudos, e tiraram várias fotografias para o trabalho. Na saída, Profa. Deborah participou de um "escambo simbólico": deu um pouco de atenção numa boa conversa com uma senhora da cidade e ganhou em troca umas laranjas (sob a reprovação bem-humorada dos Profs. Juarez e Gilmara). A situação me lembrou o "Ensaio Sobre a Dádiva", de Marcel Mauss, no qual se decreve a troca (mesmo simbólica) como base para a sociabilidade humana: Deborah, ao aceitar as laranjas, colocou-se (e, por extensão, a nós todos) na "família" de Monte Santo.

Dali partimos para Canudos Nova, onde visitaríamos bem cedo no dia seguinte (apesar de só conseguirmos jantar à meia-noite, dormindo muito pouco nesta noite) o Parque de Canudos, mantido pela UNEB. Esse passeio foi realmente muito bom, especialmente para entendermos melhor o carisma de Conselheiro e a loucura de seus estimados 25 mil seguidores, acreditando que aquele local árido e de solo pedregoso seria o futuro paraíso. Ali os alunos puderam conversar com os professores sobre o que viam ao seu redor, reforçando o caráter interdisciplinar da atividade. Visitamos ainda o Memorial Antonio Conselheiro, que tem recortes de jornais da época da Guerra e onde assistimos a um curta de Jorge Furtado sobre o tema.

Finalmente, encerramos os trabalhos no lago de Cocorobó, mas a reunião programada acabou acontecendo só na frente do ônibus, já nos aprontando para a partida: relaxamos um pouco na beira do lago, nos preparando para as próximas 15 horas de viagem.

Se o trabalho foi bom, a parte de integração do pessoal foi ótima. Alunos puderam interagir com outros que não fazem parte de seu círculo de amizades, com outros professores além dos que ministram as disciplinas do primeiro ano e os próprios professores puderam conhecer melhor uns aos outros e aos alunos do BI-C&T. De minha parte, pude interagir mais com vários alunos. Logo na ida, tive a companhia de Adriana e Amisael, e depois da doidinha da Drika e da Dulce, sempre quieta nas aulas e muito gente boa. Agradeço Mariana, Romário e Natália pela companhia na descida do Monte Maldito, digo Santo (junto ainda com Taíse e e minha "filhinha" Lorena), na cerveja do domingo e na viagem de volta. Foi ótimo trabalhar com meu grupo, Vanusa, Ícaro, Danielle, Aline (Cíntia, vc também estava? hehe) Agradeço também a todos que me pintaram, passaram pasta de dentes, tiraram fotos impróprias e todo tipo de sacanagens a que fui submetido neste fim de semana :) E, Gislene, você vai aprender Física, relaxa e estuda :o)

Pude também conhecer as Profas. Gilmara e Larissa e conversar um pouco com o Prof. Juarez. Agradeço aos Profs. Camila, Vicente e Deborah por me ajudarem a "domar os leões"; também ao Prof. Sandro pela idéia e iniciativa para a viagem. Last but not least, grande abraço ao Prof. Gredson que, infelizmente para nós, vai seguir seu caminho em outra universidade. De bom humor mesmo depois de 2 dias e meio de estrada, competente e sossegado, só resta desejar boa sorte no seu novo caminho. Mas você vai fazer falta aqui, cara.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Gil e as Licenças Flexíveis

Continuando, depois de muito tempo, um post em que comecei a falar sobre liberdade na internet, vou falar um pouco sobre a atuação do cantor Gilberto Gil. Digo o "cantor" para diferenciá-lo do (ex-)"Ministro", uma vez que ele nem sempre pôde aplicar na esfera pública as idéias que prega na vida pessoal.

Uma das últimas turnês do cantor chamou-se Banda Larga Cordel; a turnê começou na África, e os shows começavam com a seguinte exortação ao público: "Liguem seus celulares! Filmem o que quiserem, fotografem, gravem suas canções preferidas e coloquem como ringtones nos seus telefones. Participem. Colaborem. Publiquem no site www.gilbertogil.com.br".

O que as grandes distribuidoras proíbem, Gil incita...

Gil avança em direção ao compartilhamento: é possível baixar samples de suas músicas no site, de maneira completamente legal, remixá-los e compartilhar com os outros (até mesmo com Gil, cujo site publicas as remixagens recebidas. Isto pode ser feito de maneira legal porque Gil está disponibilizando suas músicas sob uma licença Creative Commons.

Como funciona esta licença? Bem, primeiro é necessário saber como funcionam os direitos autorais. No Brasil, a Lei 9.610/98 divide os direitos autorais em duas categorias: direitos morais e direitos patrimoniais. Direitos morais dizem respeito à autoria de uma obra: este direito é irrenunciável, você sempre será o autor de suas obras. Já os direitos patrimoniais dizem respeito ao modo como você deseja utilizar sua obra: reprodução, licenciamento, permissão de modificação, etc. A lei é rígida, pois mesmo a reprodução (parcial que seja) de sua obra depende de sua autorização prévia.

Aqui entram as licenças Crative Commons (CC): ao contrário do CopyRight ©, que afirma serem "Todos os direitos reservados ao autor", nas licenças CC você define previamente quais direitos deseja manter reservados, e de quais direitos você abre mão (ou quais tipos de uso você autoriza, antecipadamente, que sejam efetuados); em outras palavras, a licença CC afirma serem "Alguns direitos reservados ao autor", e você pode definir quais são estes direitos.

As licenças CC funcionam com algumas modalidades de direitos. Por exemplo, você pode usar uma licença "BY" (atribuição) que permite a reprodução de seu texto, mas exige que você seja citado como o autor. Perceba que caso não use uma licença "BY", você permite a reprodução de seu texto sem indicação de autor, mas você ainda é o autor - o direito moral da autoria não é alienável.

Se você não especificar, o conteúdo de sua obra pode ser alterado; caso não deseje isto, você pode escolher a modalidade "ND", que impede alterações. Esta modalidade pode ser útil, por exemplo, para uma obra literária que você deseje manter íntegra.

Outra modalidade diz respeito ao uso comercial de sua obra. Uma licença "NC" indica uso não comercial. Isto significa que qualquer pessoa pode reproduzir sua obra, mas apenas se não for ganhar dinheiro com ela. Se você não especificar esta modalidade, terceiros poderão modificar sua obra e vender o produto (por exemplo, alguém pode pegar um conto meu, quadrinizá-lo e vender sua Graphic Novel para uma editora; ou, ainda, alguém pode samplear trechos de sua música e criar novas músicas, que poderão ser vendidas num CD).

Finalmente, uma modalidade que tem estreito parentesco com o mundo do Software Livre é a "SA": esta licença exige que quaisquer obras derivadas da sua carreguem a mesma licença. Este é o conceito de herança, que tem relação com certos modos de programação (em especial, a programação Orientada a Objetos). Este tipo de licença faz com que a própria licença Creative Commons se torne tanto mais disseminada quanto as obras originais que a carregam sejam utilizadas.

As modalidades são utilizadas em conjunto. Veja no primeiro quadro à esquerda a licença utilizada por este blog: BY-NC-SA (Atribuição, Uso Não Comercial, Compartilhamento pela mesma licença). Isto significa que você pode reproduzir qualquer texto deste blog, e mesmo modificá-lo, desde que indique que o autor do original sou eu, desde que não publique em qualquer meio pago (não ganhe dinheiro com isso) e que qualquer produto derivado (qualquer texto seu que tenha como base o meu) deve carregar esta mesma licença BY-NC-SA.

Agora, você pode perguntar, e se você quiser pegar um texto meu, do blog, e utilizá-lo numa apostila (ou seja, ganhar dinheiro com isso)? A licença não permite; é possível fazê-lo? Bem, aí caímos num caso que não foi antecipadamente autorizado. Caímos no escopo da lei e, portanto, você deve agir como agiria no caso de um CopyRight: entre em contato comigo e podemos negociar; eu posso acabar nem cobrando nada de você, ou podemos fazer um contrato. Em outras palavras, as licenças CC não "quebram" a lei, elas caem em seu artigo 29, que afirma a necessidade de "autorização prévia e expressa do autor" para determinados usos.

Gilberto Gil está disponibilizando todas sua discografia neste formato. Ele teve, entretanto, alguns problemas para fazê-lo. Em especial, suas músicas mais antigas não eram mais suas! Ou, pelo menos, o direito de dispor delas como quisesse não era mais seu, pois nos contratos com gravadoras normalmente os autores abrem mão de seus direitos patrimoniais. Gil está regravando novas versões das músicas antigas, para poder disponibilizá-las sob licenças CC.

Em breve publicarei um conto aqui no blog, sob uma licença CC; você poderá modificá-lo, quadrinizá-lo, filmar um curta, fazer um flash com ele, tudo já previamente autorizado. Mas se quiser ganhar uma grana com isso, entre em contato...

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Boomerite - Um romance que tornará você livre


Este blog anda muito devagar, especialmente por conta de meu trabalho com o doutorado. Mas prometo que agora volto a postar pelo menos uma vez por semana. (Re-)começo com a análise do livro que já encerrei há mais de um mês.

Boomerite - Um romance que tornará você livre, de Ken Wilber, é tudo menos um romance; também não é auto-ajuda, apesar do título (irônico). Trata-se principalmente de uma análise do mundo da alta modernidade em que vivemos.

O autor (fundador do Centro Integral, que visa desenvolver estudos nas mais diversas áreas, tendo em comum a idéia de que estamos na aurora de uma "evolução" psicológica da humanidade) já escreveu o modesto livro Uma Teoria de Tudo (cujo título ele garante também ser irônico), no qual desenvolve a maior parte de sua filosofia integral. Em Boomerite, sua filosofia é deixada um pouco de lado (aparece no final, na pior parte do livro); o que se lê é uma seqüência de seminários destinados a demonstrar parte de sua tese: que a sociedade atual (em especial a americana) é caracterizada por uma mistura de pluralismo com narcisismo.

Pluralismo, em si, não seria algo ruim, pois permitiria tanto a convivência quanto o diálogo entre pessoas e grupos diferentes. Entretanto, quando combinado com um ego gigantesco, ele termina por impossibilitar o diálogo. Quantas vezes você já percebeu que duas pessoas "parecem" estar dialogando quando, na verdade, cada uma está dizendo coisas que o outro nem ouve?

O livro vai, então, apresentando dimensões da vida social em que se percebe este "ego inflado" e pseudo-pluralista. Algumas situações são bastante específicas dos Estados Unidos (como a cultura de vitimização); já outras dizem respeito também à nossa realidade politicamente correta.

O próprio título do livro é muito específico dos EUA, ao fazer referência à geração do pós-Segunda Guerra (Baby-Boomers); quanto ao subtítulo "um romance que vai fazer você livre" trata-se de uma ironia explicitada no texto: os maiores best-sellers dos EUA na década de 90 traziam em seu nome as palavras você e liberdade.

O grande problema do livro aparece quando acaba a crítica e são apresentados alguns pressupostos do pensamento integral. Neste ponto do livro, pode-se perceber a fragilidade do argumento e a tendência a se cair em "espiritualismos nova-era". As análises políticas também são sofríveis: considerar o governo FHC, juntamente com propostas da era Clinton e o "novo" conservadorismo de Bush como indicadores de que o mundo ruma em direção a uma ruptura com modos de vida pré-integrais é brincadeira...

Ainda assim, a leitura vale pela análise crítica do munto atual, inclusive o acadêmico. Você pode não concordar com o remédio proposto (filosofia integral), mas o diagnóstico é bem agudo. Segue um trecho da introdução:

Algo parece certo: sou um filho desses tempos e eles apontam para duas direções totalmente incompatíveis. Por um lado, ouvimos constantemente que o mundo está fragmentado, dilacerado e torturado, à beira de um colapso, com imensos blocos de civilização massificados, tentando afastar-se uns dos outros, com intenções crescentemente alienadoras, de tal modo que guerras internacionais de culturas são a maior ameaça para o futuro. A tecnologia da era cibernética está evoluindo tão rapidamente que, diz-se, dentro de trinta anos teremos máquinas atingindo inteligência de nível humano, ao mesmo tempo em que avanços em engenharia genética, nanotecnologia e robótica significarão o possível fim de toda a humanidade: seremos substituídos por máquinas ou destruídos por uma peste branca – e que tipo de futuro é esse para uma criança? Em nosso país, a cada dia, a cada hora, a cada minuto, defrontamo-nos com exemplos de uma sociedade que está se esfacelando: uma taxa nacional de analfabetismo que cresceu assustadoramente de 5% em 1960 para 30% hoje; 51% das crianças em Nova York são filhos ilegítimos; milícias armadas espalham-se por Montana tal como bunkers nazistas sobre as praias da Normandia, preparadas para a invasão; uma série de guerras de culturas, guerras de gêneros, guerras de ideologias na academia, que se comparam em malignidade, se não em forma, à agressão multicultural no cenário internacional. O globo ocular de meu pai, na minha cabeça, vê um mundo de fragmentação pluralista, pronto a desintegrar-se, deixando, na sua esteira turbulenta, uma massa desfigurada de sofrimento humano sem precedentes na história.

O olho de minha mãe vê um mundo totalmente diferente, embora tão real quanto o primeiro: estamos nos transformando, paulatinamente, numa família global e o amor, em todas as suas manifestações, parece ser a força propulsora. Veja a história da raça humana: de tribos e bandos isolados a grandes cidades agrícolas, a cidades-estados, a gloriosos impérios feudais, a estados internacionais, à aldeia global. E agora, às vésperas do milênio, estamos em face de uma estonteante transformação nunca antes vista pela humanidade, onde o vínculo humano, tão intenso e tão profundo, descobrirá Eros pulsando gloriosamente nas veias de cada um e de todos, sinalizando a alvorada de uma consciência global que transfigurará o mundo como o conhecemos. Ela é uma pessoa doce e vê o mundo assim.

Não compartilho nenhuma das duas visões; ou melhor, compartilho ambas, o que me torna quase insano. Claramente, forças gêmeas, embora não só, estão devorando o mundo numa escala colossal: globalização e desintegração, amor unificador e desejos corrosivos de morte, delicadeza que aproxima e crueldade que afasta. E o filho bastardo, esquizofrênico, propenso a ataques, vê o mundo através de um vidro trincado, movendo vagarosamente sua cabeça para frente e para trás, esperando que se formem imagens coerentes, imaginando o que significa tudo isso.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Paralização no ICADS e movimento estudantil

O ICADS, Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável, campus da UFBA em Barreiras, foi fechado nas últimas semanas por um movimento dos estudantes. Entre paralização, devolução dos prédios e limpeza, foram duas semanas sem atividades; decidi escrever um post sobre o assunto apenas depois de encerrada a manifestação e após conversar com alguns estudantes (durante o movimento os professores tiveram impedido seu acesso aos prédios do Padre Vieira e Prainha).

A questão central do movimento era pedir providências com relação ao curso de Geologia: em especial, há a questão da falta de professores - ainda que outras reivindicações tenham sido levantadas, como falta de livros e laboratórios. As discussões a esse respeito já vinham sendo realizadas, no âmbito do colegiado do curso e junto à Direção do Instituto, mas sem que se chegasse a um resultado considerado favorável pelos alunos. Daí a decisão de paralisar o campus (os dois prédios) e solicitar a presença do reitor; tal decisão foi prontamente apoiada por estudantes dos demais cursos, o que resultou na paralisação quase total das atividades acadêmicas e administrativas.

Em primeiro lugar gostaria de parabenizar os estudantes por alguns fatos ocorridos, começando com a própria emergência (no sentido de emergir, surgir) de um movimento tão amplo em tão pouco tempo. Os interesses de um curso, sendo compartilhados (e examinados, à luz das dificuldades particulares de cada um dos cursos) por um contingente de estudantes forneceu o caldo para a emergência de um todo organizado. Tal todo retroagiu sobre os estudantes - talvez alguns deles tenham entendido agora as "forças sociais" de Durkheim - levando-os a repensarem sua posição e seu papel na universidade. Alguns dos alunos certamente passaram, após o ocorrido, a sentirem-se pertencendo a uma comunidade acadêmica, a uma instituição que já conta com quase 200 anos de história: este é um fruto altamente benéfico da mobilização.

A organização deste todo em partes especializadas (Comissão de Ética, Comissão de Comunicação, etc...) denota já o embrião de complexidade no movimento: de acordo com algumas teorias sistêmicas, um sistema se divide em subsistemas para enfrentar a complexidade das relações com o ambiente (no caso, ambiente foram as instâncias administrativas - Comissão de Negociação, Colegiado do Curso, Direção, Reitoria -, os demais estudantes, professores e, em última instância, a sociedade, especialmente por meio da mídia); ao se dividir, aumenta sua própria complexidade. Em resumo: um sistema aumenta sua complexidade interna para reagir à complexidade externa.

Ora, o próprio desenrolar dos fatos mostrou que esta organização funcionou relativamente bem: as negociações foram levadas a um termo agora considerado satisfatório para os manifestantes, o campus foi devolvido inteiro e limpo em suas áreas ocupadas e não há relatos - que eu conheça - de abusos e badernas durante a ocupação.

É claro que nem tudo são flores: como em qualquer negociação desta natureza, há embates, confrontos, desconfianças de parte a parte. Mas, afinal, é disso que é feita a democracia: engana-se quem pensa que este é o regime do consenso; ao contrário, a democracia é o melhor sistema para que se explicitem as divergências, antagonismos e dissenções. E com esta explicitação, freqüentemente surgem rusgas, palavras mais fortes e afirmações impensadas, de parte a parte. O ponto importante aqui é que estas tensões fiquem restritas em escopo (à arena de discussões, que já se encerrou junto com a ocupação) e em profundidade, não chegando a níveis pessoais.

Outro ponto de questionamento diz respeito à participação estudantil nas instâncias representativas formais do ambiente acadêmico. É impossível prever o que teria acontecido (o futuro do pretérito - salvo linguagem auto-defensiva jornalística - é sempre um não-futuro e um não-passado), mas é possível questionar se os estudantes estão exercendo de maneira consciente, organizada e comunicativa seu direito/dever de participação em diretórios/centro acadêmicos, colegiados, congregação. Algumas das reivindicações não poderiam ter sido atendidas por meio da participação política consciente e articulada nessas instâncias?

Quanto às reivindicações em si, tentarei manter a análise o mais distante possível, por não ser minha área de conhecimento (Geologia) nem um curso cujos alunos tenham contato direto comigo. Mas um exemplo significativo é a questão de falta de livros, até por ser algo que outros cursos enfrentam. Ora, a solicitação de aquisição de livros é responsabilidade dos professores: são eles que devem, em conjunto, criar listas de publicações necessárias ao andamento dos cursos - respeitando as condições financeiras reais de uma universidade pública. São eles que devem enviar ao responsável por compras as listas, com a devida identificação de CatMat e ISBN. O Núcleo Administrativo irá, então, montar um edital de licitação chamando as editoras interessadas a fornecer aqueles livros. Este processo todo é bastante demorado (como qualquer licitação sob a égide da 8.666/93) e ao final dele cabe também ao professor, assim que anunciada a contratação da editora fornecedora dos livros e a entrega de volumes à nossa biblioteca, checar se os livros solicitados vieram o não. Alguns podem estar esgotados; outros podem não ter sido encontrados.

Minha pergunta é: esta tarefa de acompanhamento cabe "apenas" ao professor? Certamente a ele sim, mas também aos estudantes - que, afinal, serão os usuários dos livros. E como? Por meio das instâncias representativas. Para isso é preciso um duplo movimento: colegiados comunicarem-se de maneira mais consistente com discentes e instâncias representativas discentes (DAs/CAs) e discentes organizarem-se em torno de seus representantes (individuais ou coletivos) para o acompanhamento de processos de seu interesse.

Percebam que não prego uma cobrança maior de uma parte ou de outra: prego maior comunicação e interação que terão como conseqüência uma maior inter-relação entre estas partes e certamente a emergência de formas mais adequadas de organização com um melhor fluxo informacional e maior articulação entre todos os interessados. Percebam, ainda, que não prego uma responsabilização de um ou outro agente, mas argumento no sentido da necessidade de uma maior co-participação dos envolvidos. "Isso não é problema meu" nunca resolveu nada.

Todo o dito acima culmina numa questão de postura ante a situação: li em algum lugar (desculpem, não lembro se orkut ou blog do movimento) algo como: os alunos não são responsáveis por encontrar soluções para o problema. Talvez o correto fosse: os alunos não são os únicos responsáveis por encontrar soluções. O que eu gostaria de ter lido (não-passado, esperança-de-futuro): os alunos são não só mas também responsáveis por encontrar soluções...

Cabe lembrar, finalmente, que todo movimento dessa natureza (estudantil-acadêmica) tem um perfil político e, desta forma, gera impactos na configuração de forças internas à universidade e mesmo externas, junto à comunidade. Assim, seria de fundamental importância para o aprendizado político e cidadão dos estudantes uma análise - realizada por eles próprios - a respeito do campo de forças políticas no qual eles se inseriram ao deflagar tal movimento. É necessário que os alunos reflitam a respeito da apropriação política de seus atos coletivos: sem esta análise, futuros movimentos deste perfil correm o risco de ser insuflados, radicalizados e utilizados com finalidades diversas daquelas almejadas pelos participantes.

Peço desculpas pelo post longo, mas fiquei ruminando estes pensamentos nas últimas semanas. Ainda haveria (ñ-p, ñ-f) muito o que falar (por exemplo, a participação da imprensa local que conseguiu a proza de irritar todas as partes envolvidas), mas agora, é voltar ao trabalho e mãos à obra para que tudo funcione da melhor e mais participativa maneira possível.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Tese: Auto-Organização e Identidade Nacional

Graças às férias forçadas pelo movimento dos alunos do ICADS, que fecharam o Instituto por alguns dias (e sobre o qual escreverei aqui, na próxima semana, após a reabertura do campus) trabalhei muito no texto de minha tese de doutorado nas últimas semanas. Segue um trecho, ainda meio cru, mas que pode dar uma idéia do que é uma TAO (Teoria de Auto-Oganização):

O objetivo final da tese é apresentar/desenvolver uma teoria de auto-organização própria, fortemente baseada nos desenvolvimentos de Michel Debrun, Henri Atlan e Edgar Morin.

1. Michel Debrun
Revisaremos em bastante detalhe os artigos do autor relativos ao tema. Temos, inicialmente, dois artigos publicados no primeiro volume do livro Auto-Organização: Estudos Interdisciplinares em Filosofia, Ciências Naturais e Humanas e Artes e mais um artigo publicado no Encontro com as Ciências Cognitivas, vol. 1 ("Auto-organização e ciências cognitivas"). Destes artigos gostaríamos de destacar as discussões filosóficas sobre o conceito de auto-organização, suas possíveis aplicações, e a abordagem do NEO-MECANICISMO.

A dinâmica da auto-organização será enfocada dentro de uma abordagem neo-mecanicista. É mecanicista pois:
a) Ao menos no ponto de partida, não tem finalidade.
b) Eventuais finalidades se situam ao nível dos elementos.
c) Tais finalidades (desejos, projetos, etc.) devem ser encarados como forças que se cruzam, se combatem ou se aliam.

A abordagem é neo à medida que:
a) Reserva um lugar às informações que os elementos emitem, recebem e processam ao longo da interação.
b) Trata-se, então, de modelos ‘tridimensionais’ capazes de integrar as três vertentes (energia, informação, significado). Não apenas modelos energéticos puros, nem “energético-informacionais” (modelos cibernéticos), nem modelos “energético-significacionais” (modelos psicanalíticos).
c) “É ‘reducionista’ no ponto de partida das explicações (isto é, vai dos elementos para a constituição de uma ‘forma’), mas torna-se progressivamente ‘holística’ em meados da explicação, levando em conta a influência que a sedimentação de modo crescente da forma exerce sobre o comportamento dos elementos”.

ENERGIA
As teorias físicas de auto-organização já tratam das propriedades de sistemas físicos. Massa/Energia formam faces intercambiáveis de uma só substância , conforme sabemos desde Einstein. Acreditávamos que a informação dissesse respeito apenas a modos de organização, transmissão, troca de massa/energia.

INFORMAÇÃO
De acordo com a proposta de Debrun, a própria caracterização deste mecanicismo como neo exige que se dê um lugar à informação como um dos elementos do modelo; isto significa assumir uma postura não reducionista em relação à informação. Em outras palavras:
a) A troca de informações não pode ser reduzida à troca de matéria/energia: esta impossibilidade de redução se tornou evidente com o experimento de Aspect (década de 80), no qual se afastam partículas - em estado de entrelaçamento quântico - a alguma distância e, ao alterar-se o estado quântico de uma delas, a outra sofrerá (imediatamente!) alteração semelhante. [Há ainda o experimento descrito por Penrose - "O grande, o pequeno e a mente humana" - do detector de bombas]. Este(s) experimento(s), associado(s) ao teorema da não-localidade de Bell, leva(m) à conclusão de que há transmissão de informação entre partículas sem que haja troca de massa/energia entre elas e, portanto, que a informação não pode ser reduzida à massa/energia (ainda que seja "transportada" por elas).
b) A teoria matemática da comunicação de Shannon/Weaver nos fornece o instrumental teórico para tratar a informação como eminentemente sintática; não nos permite, entretanto, trata-la em sua significação (ou em seu potencial significador) e em suas dimensões representacionais e organizacionais. Assim, mesmo metodologicamente a informação não deve ser reduzida a esta dimensão matemática.
c) Para além, cabe lembrar que relações causais também apresentam modalidades materiais-energéticas e informacionais, não redutíveis uma à outra. Um exemplo pode ser visto em Silva (1996). Tome um circuito com dois interruptores A e B em paralelo e uma lâmpada na seqüência, nesta ordem. O circuito é montado de tal forma que, quando o interruptor A está fechado, B está aberto, e vice-versa; desta forma, sempre há corrente chegando na lâmpada. Do ponto de vista da causalidade material, a lâmpada está sempre acesa, e não há transmissão de informação. Do ponto de vista da causalidade informacional, entretanto, o sistema nos apresenta 1 bit de informação (duas posições possíveis: A ligado / B desligado e A desligado / B ligado). Isto significa que a causalidade informacional não pode ser reduzida à causalidade material, ainda que a dependência do suporte material continue também neste exemplo.

SIGNIFICADO
Da mesma forma que não devemos reduzir a informação (conteúdo) ao seu substrato físico/energético, devemos também considerar o significado como algo que ultrapassa o caráter informacional de seu conteúdo. Informações, recebidas pelo receptor, são recebidas, interpretadas e (re-)significadas por este sob a influência de seu entorno sócio-cultural, das próprias disposições prévias de sua própria mente, seja considerando-o como sistema cognitivo autônomo, seja como sujeito dotado de uma historicidade própria e que influencia o modo como esta nova informação será acoplada ao seu "cenário" mental - e como este se acoplará à nova informação.
Debrun cita os modelos psicanalíticos como exemplos de modelos energéticos-significacionais. O significado tem um lugar especial no neo-mecanicismo proposto por Debrun: é a única destas grandezas que é gerada, produzida, pela (inter)ação humana. Será necessário perceber que esta grandeza apresenta uma autonomia dependente em relação ao seu substrato bio-antropo-social. Para tanto, será necessário recorrer a conceitos como o de enraizamento, que pressupõe necessidade sem redução (ver Morin).

Desta forma, tanto física quanto metodologicamente, não devemos reduzir energia, informação e significado a nenhum dos outros elementos, ou combinações destes. Ao contrário, a abordagem deve levar em conta as diversas interações entre elementos diferentes, na criação de uma forma que também não precisa, necessariamente, ser descrita por nenhum dos elementos isolados.
Por exemplo, no 3o capítulo de minha dissertação mostramos um exemplo, baseado em uma análise apresentada por Edgar Morin em O Paradigma Perdido, mostrando como diversos fatores influíram no processo de cerebralização humana, desde nossos antepassados australopitecíneos até o surgimento do Homo sapiens. Neste processo concorreram:
- elementos físico-energéticos (alterações físicas no relevo planetário, em especial no continente Africano);
- alterações ecossistêmicas (avanço da savana/retrocesso da floresta);
- mutações genéticas (processos físicos - alteração do material genético - e informacionais - alteração do próprio conteúdo do genoma), acompanhadas de modificações anatômicas;
- alterações comportamentais, alterando padrões de caça, coleta, padrão alimentar (energético-informacional-significacional);
- paleo-linguagem (informacional-significacional);
- alterações na estrutura social, hierarquia, família (energético-informacional);

REDUCIONISMO X HOLISMO
O neo-mecanicismo se reflete também na necessidade de assumir uma postura reducionista ao início do processo (ao levar em consideração as interações entre os elementos do sistema) mas que vai se tornando cada vez mais holista à medida em que o processo se desenvolve, refletindo o fato de que uma forma (ao modo de atratores) vai se consolidando e tendo cada vez maior influência no devir do sistema, retroagindo sobre as partes. Mais do que um método de análise (contrapondo reducionismo e holismo) trata-se de perceber que o funcionamento mesmo do sistema, em sua temporalidade própria, vai passando de funcionamentos mais fortemente influenciados pelas partes para dinâmicas cada vez mais determinadas por sua forma gerada.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Ônibus 174

Dia 21, sexta-feira passada, a Sessão Solaris apresentou o documentário Ônibus 174. O filme começa seco; depoimentos sobre a vida nas ruas são rapidamente substituídos por cenas do seqüestro do ônibus... e depoimentos de policiais, reféns, especialistas. A narrativa é inteiramente construída por meio destes testemunhos, cenas reais do seqüestro e mostra de documentos oficiais; nenhum dos entrevistados é identificado e não há narração em off.

Seco.

Ao contar a história do seqüestrador Sandro Nascimento, o diretor José Padilha (do posterior Tropa de Elite) parte do particular para o geral, realizando uma análise sobre a miséria, a polícia, as instituições carcerárias. A vida de Sandro, que viu sua mãe ser assassinada e sobreviveu à Chacina da Candelária, foi um entra-e-sai de instituições correcionais. Sempre que estava livre, "no asfalto" - como dizem os habitantes das favelas do Rio de Janeiro, se referindo à vida "lá embaixo" - Sandro se envolvia com roubos, para sustentar sua dependência, da cola ao pó.

A violência gera violência: isso é lugar-comum. Mas o filme se sustenta na tese de que a invisibilidade gera a violência. Ainda que não seja um conceito dos meus preferidos, esta idéia de invisibilidade social é bastante intuitiva, ao pensarmos em nossas próprias atitudes com respeito de moradores de rua: depois de um tempo, realmente não os vemos, aprendemos a conviver com esses "invisíveis".

O documentário consegue nos deixar tensos - apesar de já conhecermos o resultado final - ao construir sua narrativa intercalando entrevistas com reféns e suas cenas no interior do ônibus. Aliás, vale lembrar que outra dimensão explorada por Padilha é a mídia. O ônibus é sempre visto cercado de repórteres e câmeras, o que cria dois níveis de realidade: a "realidade" dentro do ônibus e a "realidade" mostrada pelas câmeras. A polícia teve várias oportunidades de atirar no seqüestrador, mas não o fez para não expor o público a um espetáculo de sangue e massa encefálica ao vivo em suas TVs. A presença da imprensa ali, aliás, é culpa da própria polícia, que deveria ter criado um cordão de isolamento muito mais distante do cenário do seqüestro, até mesmo para proteger as pessoas.

Da mesma forma que a violência e o abandono só nos atingem em cheio quando transpostas do mundo para um filme, a realidade "dentro do ônibus" se distingue da "realidade" nas telas da TV. Como eu disse em outro post, sobre o filme Laranja Mecânica, citando o protagonista Alex: "Engraçado como as cores do mundo real só parecem realmente reais quando você as videia na tela".

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Um Louco Sonha a Máquina Universal

A metamatemática é algo como uma "metodologia das ciências dedutivas", nas palavras de Hilbert, ou, de modo mais simples, ela estuda a matemática, utilizando instrumentos da lógica e da própria matemática. Kurt Gödel e Alan Turing são dois dos maiores nomes da metamatemática e têm partes de suas vidas contadas no livro "Um Louco Sonha a Máquina Universal", de Jenna Lewin.

Alan Turing é um dos pais da ciência da computação. Seu artigo de 1936, "Sobre os números computáveis com a aplicação ao problema da solucionabilidade", mostrava que todas funções computáveis poderiam ser reduzidas a procedimentos simples sobre uma fita (infinita), como um 'programa' sendo executado e alterando uma 'memória'. As chamadas Máquinas de Turing - presentes, aliás, no título original (A Madman Dreams of Turing Machines) do livro - são apenas teóricas, mas a partir deste desenvolvimento abstrato foi possível construir as máquinas reais que são os computadores. Turing trabalhou também na contra-espionagem inglesa durante a Segunda Guerra Mundial, na decifração de mensagens codificadas interceptadas dos nazistas. Mas Turing é mais conhecido popularmente por causa do teste que propôs para sabermos se um computador é consciente ou não: o chamado Teste de Turing afirma que é necessário, para demonstrar a consciência em uma máquina, que esta seja capaz de nos convencer, conversando conosco tempo suficiente, que estamos na verdade conversando com um ser humano.

Já Gödel é conhecido por seu Teorema da Incompletude: qualquer sistema formal capaz de expressar a aritmética não pode ser ao mesmo tempo completa e consistente. Teoria completa é aquela em que todas as proposições verdadeiras podem ser demonstradas Teoria consistente é aquela na qual não é possível demonstrar uma proposição e sua própria negação. Ou seja, o que o teorema da incompletude demonstra é que sempre há em uma teoria consistente proposições verdadeiras que não podem ser demonstradas ou negadas. A conseqüência disso é que a aritmética não pode demonstrar sua própria consistência, sendo necessária a utilização de um sistema mais amplo (uma extensão da aritmética) para fazê-lo.

Mas estes desenvolvimentos são descritos apenas de passagem pela autora. O livro de Lewin segue o caminho de tentar descrever a psicologia dos personagens principais, por meio da apresentação de alguns eventos ocorridos em suas vidas, intuindo quais disposições e estados mentais dos personagens os fariam desenvolver suas teorias. Desta forma, a narrativa é bastante fragmentada, não permitindo que nos identifiquemos com nenhum dos personagens principais. Esta identificação seria, de qualquer forma, bastante difícil, pela estranheza das próprias pessoas que foram Turing e Gödel.

Estranhamente, os personagens secundários são os mais interessantes do livro. As relações de Gödel com membros do Círculo de Viena, e indiretamente com Wittgenstein dominam boa parte do livro. No caso de Turing, suas paixões platônicas e 'reprováveis' - ele era homossexual - são tratadas com mais detalhe. É enfatizado seu trabalho na decifração de código do Enigma - máquina de codificação utilizada pelos nazistas - mas sem uma descrição detalhada sobre como este trabalho era realizado.

Turing acaba condenado (homossexualismo era crime na Inglaterra) à castração química. Gödel se torna paranóico, achando que seria envenenado. Cada um a seu modo, ambos se suicidam.

Enquanto o suicídio de Turing - comendo uma maça envenenada ao estilo Branca de Neve - aparece como uma conseqüência inexorável, mecânica do desenvolvimento de sua vida, o lento suicídio de Gödel representa uma forma de demonstrar seu livre-arbítrio: cinco meses praticamente sem comer, uma inanição auto-infligida pela paranóia e pelo desejo de demonstrar que ele podia, sim, realizar escolhas, ainda que impossíveis. Retomarei este ponto quando terminar o próximo livro de minha lista (Boomerite: um romance que tornará você livre, de Ken Wilber), no qual o personagem principal afirma que o verdadeiro teste para saber se uma máquina é consciente seria saber se ela pensa seriamente em suicídio...

Infelizmente, o livro deixa a desejar. Eu adoraria ver uma obra que conseguisse explicar, de maneira simples para um leitor esclarecido, o funcionamento de Máquinas de Turing, os métodos de decifração utilizados por ele durante a guerra, o teste de Turing (que não é tão simples como eu descrevi acima). Os teoremas de incompletude de Gödel também podem ser descritos de maneira simples, ainda que suas conseqüências ainda gerem discussões até entre os matemáticos e lógicos. Não foi dessa vez.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A Clockwork Orange (Laranja Mecânica)


Quase um mês após a última postagem, volto a este blog. Férias (curtíssimas), início de aulas, retorno ao doutorado, tudo isso me afastou por um tempo. Mas agora prometo ao menos um post por semana.

Para os que não sabem, o Núcleo de Humanidades da UFBA em Barreiras promove todas as sexta-feiras a "Sessão Solaris", composta pela apresentação de filmes e realização de seminários e mesas redondas; as sessões são abertas a todos. Neste mês de agosto o tema é "Violência", e nada melhor para começar do que o filme Laranja Mecânica (A Clockwork Orange).

Aos que não viram o filme, aviso: há muitos spoilers neste texto. Prossiga por sua conta e risco...

Este não é um filme fácil: gírias inventadas (pelo escritor Anthony Burgess, autor do livro original), violência, estupros, lavagem cerebral. Tive até um certo receio de passá-lo no Solaris, já que nossa principal audiência são nossos alunos, alguns bastante novos (abraços ao pessoal do BI, sempre presente). Mas a recepção foi boa: não sei se o filme perdeu um pouco de seu impacto devido à banalização da violência atualmente, mas vá lá: o fato é que o filme foi bem recebido. A direção de Stanley Kubrick ajuda muito: a mistura de um cenário meio pós-moderno com a música clássica criaram uma atmosfera que me traz à mente filmes como Blade Runner, e o cenário cyberpunk que só na década de 80 vai fazer o seu debut na literatura e no cinema. Coisa de precursor mesmo.

O protagonista Alex (o carismático Malcolm McDowell, que protagoniza outro clássico esquisitão, Calígula, e hoje pode ser visto como vilão de séries como Heroes) lidera uma gangue violenta, num futuro próximo - quer dizer, futuro de 1971, quando o filme foi lançado - e adora Beethoven. Nesta primeira parte do filme, acompanhamos uma bela noite de Alex e seus drugues: espancamentos, brigas de gangue, estupros... Encurtando a história, ele acaba preso e submetido a um tratamento experimental, a Técnica Ludovico (uma quase-citação a Pavlov). Alex é induzido, por esta técnica, a não conseguir suportar qualquer tipo de violência, passando fisicamente mal quando exposto a ela.

Já contei demais sobre o filme, mas o suficiente para fazer algumas reflexões. O filme pode ser interpretado em vários níveis, desde o mais raso e vermelho (cor do início e do final na tela) de um filmes simplesmente violento, até conceitos mais elaborados a respeito da própria violência e do livre-arbítrio.

Questão: após a lavagem cerebral, Alex conseguiria assistir ao filme que conta sua própria história?

Nós conseguimos. Talvez isso signifique que temos uma certa "tolerância" à violência. Pensando bem, isso deve ser verdade, pois, do contrário, não conseguiríamos sobreviver num mundo cheio de violência natural e numa sociedade repleta de violência criada por nós mesmos. Assim, mesmo que fiquemos enojados com alguns acontecimentos (do filme ou da vida) há um certo nível de violência que podemos agüentar. Este nível muda? Certamente! Momentos anteriores na história humana certamente eram mais violentos (no que diz respeito à violência indivíduo-indivíduo); com a modernidade, passamos a crer que o Estado seria o único detentor legítimo da violência (usando a formulação de Max Weber), o que levou a ficarmos mais chocados com a modalidade indivíduo-indivíduo, mas permitiu também que o século XX tenha sido prodigioso em violência de massa (guerras mundiais, genocídio).

É tirada de Alex a capacidade de "não-se-chocar" com a violência. É tirado seu livre-arbítrio. Em nenhum momento ele é levado a julgar seus atos, é apenas impedido de executá-los. E aqui temos a ambigüidade - e genialidade - do título: ao mesmo tempo que a expressão "laranja mecânica" é usada (ao menos no livro de Anthony Burgess) como uma gíria para "porra-louca", o termo evoca a imagem de algo suculento e colorido, mas de fato apenas um brinquedo mecânico nas mãos de Deus ou do Demônio (e aqui estou parafraseando o próprio Burgess). Alex é esse ser híbrido ("hibridizado"), ser vivo que foi mecanizado por métodos pavlovianos. Não sei porque me vem à cabeça a imagem de Supernanny...

Parece muito fantasioso? Deixo vocês com minha nota (é, sou metido a crítico, esse é nota 10!) e com uma frase do próprio Alex, para reflexão:

"It’s funny how the colours of the real world only seem really real when you viddy them on the screen."
(Engraçado como as cores do mundo real só parecem realmente reais quando vocês as videia na tela)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Tabocas do Brejo Velho


Exibir mapa ampliado
Você conhece Várzea Comprida? Talvez Portobelo? Santa Helena, também chamada de Maricota? Bom, eu também não conhecia, até sexta-feira da semana retrasada. São comunidades presentes na zona rural de Tabocas do Brejo Velho, município aqui da região Oeste da Bahia.

Fomos lá a convite do Sr. Custódio, morador de Várzea Comprida e representante da Sociedade Civil no Comitê de Bacia do Rio Grande; uma das nascentes deste afluente do São Francisco brota ali, em Santa Helena.

Conta-se que, uns dez anos atrás, o prefeito instalou uma bomba d'água próximo à nascente do Rio Grande. Esta bomba quebrou, alguns anos depois, já com outro prefeito no cargo, inimigo do anterior. Pois bem, durante este tempo todo, com outros eleições e outro prefeito, ninguém foi arrumar a tal bomba.

Além disso, os moradores também afirmam que o fluxo desta nascente vem diminuindo ano após ano, em especial depois que a área acima da nascente foi desmatada para agricultura.
Um registro interessante: vimos várias cisternas (de lona), novinhas, nas casas de Santa Helena. A nascente ali, sem uso por conta da bomba d'água quebrada, sua água sendo usada para lavar roupa e o povo esperando chover para ter água para beber. Insano...

Outro ponto digno de nota é a utilização de cisternas de lona. A população local se torna dependente de manutenção e materiais de fora. Pelo que conversei com os moradores, a capacitação se resumiu a explicar a necessidade de descarte da primeira água.

Eu acredito muito mais num modelo que capacita a população a construir suas próprias cisternas (de placa, calçadão, etc.) e a cuidar ela própria de sua manutenção. Além disso, quando o povo é ensinado a fazer sua própria cisterna, é possível que eles mesmos ensinem a outras famílias que não foram beneficiadas por nenhum programa a construírem suas próprias, até mesmo em mutirão. Finalmente, se a população é responsável pela construção e reaplicação do modelo, abre-se a possibilidade de que se desenvolvam novas técnicas de construção, utilizando materiais e conhecimento locais.

Talvez a Universidade possa ajudar estas comunidades de algumas formas. É claro que o ideal seria resolver a questão da bomba próxima à nascente, mas mesmo ali os pesquisadores poderiam avaliar qual o nível seguro de retirada de água, sem que se comprometa o fluxo do rio e a quantidade de água subterrânea, levando em consideração o regime de chuvas. Além disso, um projeto de reflorestamento da beira da chapada pode aumentar o fluxo da nascente, uma vez que parte de sua recarga deve vir da água absorvida pelo solo acima.

Mesmo no que diz respeito às cisternas, temos condições de ajudar. Poderíamos levar químicos e biólogos para as comunidades, e tentar criar testes simples, utilizando matéria-prima local, para avaliar a qualidade da água das cisternas. Isto possibilitaria o controle da própria população sobre a qualidade de sua água. Técnicas de purificação certamente demandariam mais trabalho, mas só a possibilidade de testar sua água já seria um avanço.

Precisamos de voluntários...

quarta-feira, 15 de julho de 2009

ExpoBarreiras 2009 - Post 1

Durante a semana passada aconteceu na cidade a ExpoBarreiras, feira de negócios da região. Apesar de algumas coisas típicas de feiras de cidades do interior - parque de diversões, rodeio, feira agropecuária - indústria e comércio da região estavam bem representados.

A UFBA ficou com um stand pequeno neste ano, mas marcou sua presença.

Fiquei muito bem impressionado com o policiamento e com a comida: muitos restaurantes da cidade se transferiram para a Expo durante esta semana. Quanto à música, bom, não são meus estilos preferidos. Mas dois pontos são dignos de nota:

- Certa hora, começou a tocar um rock bem bonzinho. Fiquei animado e me aproximei do palco; obviamente, algo deveria estar errado... e estava: era rock gospel. Pior que isso: foi seguido por axé gospel. Arghhhh!

- Continuando no axé: fiquei um pouco no show da Daniela Mercury. Ela mais falou que cantou. Fez piadinhas sem graça que certamente ofenderam muita gente. Chamou a prefeita para cantar e... lá vem mais gospel. Eu, pelo menos, dancei um monte (fazer o quê???). Tomara que nenhum aluno tenha filmado minha perfirmance em "Rapunzel", mas, se gravou, mande para mim que eu publico aqui!

No próximo post sobre a ExpoBarreiras vou falar sobre os stands do Sebrae, de agricultura familiar e artesanato. [UPDATE: não o fiz...]

sábado, 11 de julho de 2009

Semana intensa...

... cheia de pequenas coisas para fazer, que tomam muito tempo. Vou precisar de uns 3 posts seguidos para contar tudo, então vamos de leve.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Tesseract - Post 1


Pense na seguinte seqüência: ponto (dimensão 0, adimensional), segmento (dimensão 1, unidimensional), quadrado (dimensão 2, bidimensional), cubo (dimensão 3, tridimensional)...

Supondo - ou mesmo postulando - a existência de uma quarta dimensão (de espaço, não falo aqui do tempo), seria justo imaginar um objeto em 4 dimensões (tetradimensional) que continue a seqüência acima? Sim, e este objeto é chamado de hipercubo.

Alguma matemática:

- Um segmento (dimensão 1) é definido por 2 pontos (dimensão 0).

- Um quadrado (dimensão 2) é definido por 4 segmentos (dimensão 1).

- Um cubo (dimensão 3) é definido por 6 quadrados (dimensão 2).

É fácil encontrar o padrão: um objeto de dimensão n é definido por 2.n objetos de dimensão (n-1).
Então podemos começar a descrever o hipercubo comoo objeto de 4 dimensões definido por 2.4 = 8 objetos de 3 dimensões, 8 cubos.

Veja a figura no início desta postagem: aquele é um tesseract, ou um hipercubo "desmontado". Farei outro post descrevendo melhor este "desmonte". Mas, por enquanto, conte quantos cubos há na figura: há algo errado?

domingo, 28 de junho de 2009

Lições de Gil

Em matéria no ótimo blog Trezentos, [o também ótimo] Sérgio Amadeu mostra uma foto do presidente Lula junto com Peter Sunde, um dos fundadores do site de compartilhamento de arquivos PirateBay, e recém-condenado pela justiça sueca por pirataria. Citando Lula, por meio de Amadeu neste post, ao defender a liberdade na rede e a importância da colaboração: “a internet deve continuar livre”… “No meu governo é proibido proibir.”…”A liberdade é fonte da criatividade”.

Eu posso estar redondamente enganado, mas acho que o presidente Lula aprendeu um bom tanto sobre liberdade de informação com o ex-Ministro Gilberto Gil e também com o próprio Sérgio Amadeu. Explico....

Ao assumir a pasta da Cultura, Gil era considerado uma piada nos "círculos internos" do governo. Ele era o primeiro colocado na aposta "qual-Ministro-cai-primeiro" (ao fim e ao cabo, o primeiro a cair foi o ministro de Ciência e Tecnologia, "Bob Bomba"). Rapidamente mostrou que tinha conteúdo e vontade política para fazer muito (em algumas áreas, outras talvez sejam criticáveis mesmo). Logo nos primeiros meses do primeiro mandato do presidente Lula, Gil foi até a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia) com o cantor Lobão, trazendo uma proposta (no mínimo) interessante. A idéia era criar quiosques nos quais você poderia escolher, entre um catálogo de músicas de artistas nacionais, aquelas que você quisesse, e a máquina gravaria um CD com essas músicas. Pense numa jukebox que grava um CD com as músicas que você escolheu.

Com esse sistema, você poderia "pular" a presença da gravadora (que fica com a maior parte do dinheiro que você paga num CD) e colocar o artista em contato direto com o público. A máquina seria equipada com um contador, que diria exatamente quantas vezes a música X do cantor Y seria gravada, o que daria o cálculo exato dos Direitos Autorais relativos a cada música. Ao cobrar apenas o valor da mídia (CD virgem, baratíssimo) e o direito autoral de compositores e músicos, o preço cairia para um valor próximo ao de um CD pirata!

Pense bem: entre comprar um CD pirata, com as músicas que já estão lá, e um CD com as músicas que você quer, pelo mesmo preço, o que você escolheria???

É óbvio que este projeto não vingou. Além de muitos interesses em jogo, uma questão mais técnica: a FINEP é uma "financiadora" de projetos, não "executora". A empresa não dispunha dos meios tecnológicos para fazer a coisa acontecer...

Mas o importante foi conhecer a disposição do Ministro da Cultura em quebrar o domínio das gravadoras sobre o comércio de música e (depois ficou claro) de cultura. O "Ministro" Gil não pôde defender a informação livre de maneira mais aguda, mas o "cantor" Gil está regravando suas músicas antigas e as disponibilizando em licenças Creative Commons (a mesma que você vê aqui ao lado).

Próximos posts sobre o assunto (com o marcador geek):
- Mais sobre "o cantor" Gilberto Gil e licenças flexíveis;
- Mais sobre Sérgio Amadeu, o processo internacional contra ele e sua passagem pelo ITI;
- O que significa a licença Creative Commons.

Abraços

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Perfume: The Story of a Murderer


Há algum tempo queria ver o filme Perfume: The Story of a Murderer (2006). Não tive a oportunidade de ler o livro de Patrick Suskind - que foi um grande sucesso alguns anos atrás - mas sempre ouvi falar bem dele; o filme também havia rendido algumas boas críticas. Quando soube que o diretor era Tom Tykwer, fiquei ainda mais empolgado: seu Lola rennt ("Corra, Lola, Corra") é um dos melhores filmes da (coalhada de filmes bons) nova safra de cinema alemão. Algum dia desses vou rever esse filme, e passo uma resenha para vocês, mas hoje vou falar sobre Perfume, que foi exibido no Telecine Cult esta semana.


Jean-Baptiste Grenouille é o homem com o olfato mais apurado em todo o mundo. Ironicamente, nasce em meio a um mercado de peixe em Paris no século XVIII, com odores fétidos o cercando por todos os lados; esta cena inicial é impressionante, talvez apenas superada pelo momento em que ele percebe que os cheiros são efêmeros e por sua "execução" em praça pública (não descrevo em mais detalhes estas cenas para evitar spoilers). O narrador em off (o sempre ótimo John Hurt, imprimindo um clima de "conto-de-fadas" à história) indica que aquele bebê quase-natimorto somente sobrevive por uma escolha da vontade, sendo que os cheiros o estimularam a não se deixar morrer.


Em sua adolescência, Grenouille (agora já interpretado com frieza pelo bom e pouco conhecido Ben Whishaw) vai trabalhar num curtume, um dos lugares mais mal-cheirosos que pode haver. Mas é neste trabalho que tem a oportunidade de conhecer o mestre perfumeiro Baldini (Dustin Hoffman, um pouco caricato demais, em minha opinião) e tem o rumo de sua vida alterado drasticamente.


O que mais me impressionou foi a idéia de uma moralidade baseada no olfato. Acho até que vou escrever um post mais longo sobre o tema, mas só para dar uma palhinha: Grenouille busca compilar todos os odores do mundo, este é seu objetivo inicial. Ele deseja que nunca mais se perca um cheiro. Seu desejo é capturar, manter, preservar a essência das coisas para sempre. Dada esta premissa, todos seus atos que o levem mais próximo a seu objetivo são considerados (ao menos por ele) como bons. Até mesmo matar...


Posteriormente, ele percebe que seu objetivo de vida deve ser criar o perfume mais perfeito do mundo: ele deseja capturar a essência do Belo. Pode haver objetivo mais moral que este? Mesmo que para atingi-lo seja necessário perseguir e matar pessoas inocentes? Vou desenvolver essas idéias um pouco mais em um post mais extenso, em breve.


Encerrando, o final do filme parece ser assunto controverso. Sem cair em (mais) spoilers, acho mesmo que deixou a desejar; o ritmo surrealista que vinha sendo impresso pelo clímax é rompido com um anticlímax talvez desnecessário. Ainda assim, para quem gosta de notas, lá vai uma: 7,5.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Palestra sobre Identidade Nacional Brasileira

Segue um podcast (ainda mal gravado, prometo melhorar :-) ) de uma palestra sobre Identidade Nacional Brasileira. Esta apresentação faz parte de um conjunto de seminários organizados pelos alunos da turma 2009.1 do Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia, do campus de Barreiras da UFBA.


O ciclo de seminários é uma atividade da disciplina "Estudos da Contemporaneidade", ministrado pelo Prof. Sandro Ferreira. Agradeço aos alunos pela oportunidade e pelo ótimo trabalho em organizar este evento. A palestra teve lugar no auditório do ICADS, às 19hs do dia 08 de junho de 2009.


Para baixar basta clicar AQUI
(Clique direto ou com o botão direito do mouse escolha as opções 'Salvar como' ou 'Salvar Link como')


Para acompanhar a palestra, segue a apresentação em slides:



O próximo podcast será sobre o mesmo tema: uma entrevista minha à Rádio Barreiras. A qualidade de som será melhor, prometo.


UPDATE: Retirei o audio da palestra, pois deixava o carregamento da página muito lento. Em seu lugar há agora um link para carregar a palestra apenas se você desejar.

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