segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Boomerite - Um romance que tornará você livre


Este blog anda muito devagar, especialmente por conta de meu trabalho com o doutorado. Mas prometo que agora volto a postar pelo menos uma vez por semana. (Re-)começo com a análise do livro que já encerrei há mais de um mês.

Boomerite - Um romance que tornará você livre, de Ken Wilber, é tudo menos um romance; também não é auto-ajuda, apesar do título (irônico). Trata-se principalmente de uma análise do mundo da alta modernidade em que vivemos.

O autor (fundador do Centro Integral, que visa desenvolver estudos nas mais diversas áreas, tendo em comum a idéia de que estamos na aurora de uma "evolução" psicológica da humanidade) já escreveu o modesto livro Uma Teoria de Tudo (cujo título ele garante também ser irônico), no qual desenvolve a maior parte de sua filosofia integral. Em Boomerite, sua filosofia é deixada um pouco de lado (aparece no final, na pior parte do livro); o que se lê é uma seqüência de seminários destinados a demonstrar parte de sua tese: que a sociedade atual (em especial a americana) é caracterizada por uma mistura de pluralismo com narcisismo.

Pluralismo, em si, não seria algo ruim, pois permitiria tanto a convivência quanto o diálogo entre pessoas e grupos diferentes. Entretanto, quando combinado com um ego gigantesco, ele termina por impossibilitar o diálogo. Quantas vezes você já percebeu que duas pessoas "parecem" estar dialogando quando, na verdade, cada uma está dizendo coisas que o outro nem ouve?

O livro vai, então, apresentando dimensões da vida social em que se percebe este "ego inflado" e pseudo-pluralista. Algumas situações são bastante específicas dos Estados Unidos (como a cultura de vitimização); já outras dizem respeito também à nossa realidade politicamente correta.

O próprio título do livro é muito específico dos EUA, ao fazer referência à geração do pós-Segunda Guerra (Baby-Boomers); quanto ao subtítulo "um romance que vai fazer você livre" trata-se de uma ironia explicitada no texto: os maiores best-sellers dos EUA na década de 90 traziam em seu nome as palavras você e liberdade.

O grande problema do livro aparece quando acaba a crítica e são apresentados alguns pressupostos do pensamento integral. Neste ponto do livro, pode-se perceber a fragilidade do argumento e a tendência a se cair em "espiritualismos nova-era". As análises políticas também são sofríveis: considerar o governo FHC, juntamente com propostas da era Clinton e o "novo" conservadorismo de Bush como indicadores de que o mundo ruma em direção a uma ruptura com modos de vida pré-integrais é brincadeira...

Ainda assim, a leitura vale pela análise crítica do munto atual, inclusive o acadêmico. Você pode não concordar com o remédio proposto (filosofia integral), mas o diagnóstico é bem agudo. Segue um trecho da introdução:

Algo parece certo: sou um filho desses tempos e eles apontam para duas direções totalmente incompatíveis. Por um lado, ouvimos constantemente que o mundo está fragmentado, dilacerado e torturado, à beira de um colapso, com imensos blocos de civilização massificados, tentando afastar-se uns dos outros, com intenções crescentemente alienadoras, de tal modo que guerras internacionais de culturas são a maior ameaça para o futuro. A tecnologia da era cibernética está evoluindo tão rapidamente que, diz-se, dentro de trinta anos teremos máquinas atingindo inteligência de nível humano, ao mesmo tempo em que avanços em engenharia genética, nanotecnologia e robótica significarão o possível fim de toda a humanidade: seremos substituídos por máquinas ou destruídos por uma peste branca – e que tipo de futuro é esse para uma criança? Em nosso país, a cada dia, a cada hora, a cada minuto, defrontamo-nos com exemplos de uma sociedade que está se esfacelando: uma taxa nacional de analfabetismo que cresceu assustadoramente de 5% em 1960 para 30% hoje; 51% das crianças em Nova York são filhos ilegítimos; milícias armadas espalham-se por Montana tal como bunkers nazistas sobre as praias da Normandia, preparadas para a invasão; uma série de guerras de culturas, guerras de gêneros, guerras de ideologias na academia, que se comparam em malignidade, se não em forma, à agressão multicultural no cenário internacional. O globo ocular de meu pai, na minha cabeça, vê um mundo de fragmentação pluralista, pronto a desintegrar-se, deixando, na sua esteira turbulenta, uma massa desfigurada de sofrimento humano sem precedentes na história.

O olho de minha mãe vê um mundo totalmente diferente, embora tão real quanto o primeiro: estamos nos transformando, paulatinamente, numa família global e o amor, em todas as suas manifestações, parece ser a força propulsora. Veja a história da raça humana: de tribos e bandos isolados a grandes cidades agrícolas, a cidades-estados, a gloriosos impérios feudais, a estados internacionais, à aldeia global. E agora, às vésperas do milênio, estamos em face de uma estonteante transformação nunca antes vista pela humanidade, onde o vínculo humano, tão intenso e tão profundo, descobrirá Eros pulsando gloriosamente nas veias de cada um e de todos, sinalizando a alvorada de uma consciência global que transfigurará o mundo como o conhecemos. Ela é uma pessoa doce e vê o mundo assim.

Não compartilho nenhuma das duas visões; ou melhor, compartilho ambas, o que me torna quase insano. Claramente, forças gêmeas, embora não só, estão devorando o mundo numa escala colossal: globalização e desintegração, amor unificador e desejos corrosivos de morte, delicadeza que aproxima e crueldade que afasta. E o filho bastardo, esquizofrênico, propenso a ataques, vê o mundo através de um vidro trincado, movendo vagarosamente sua cabeça para frente e para trás, esperando que se formem imagens coerentes, imaginando o que significa tudo isso.

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